O assassinato do líder seringueiro Chico
Mendes, em 1988, deu expressão internacional à pequena cidade de Xapuri, no
Acre, e voltou o olhar do mundo para milhares de cidadãos que fazem da
extração do látex seu sustento e das 'colocações' do Vale Amazônico sua
morada. O que poucos sabem é que esse foi apenas mais um capítulo da saga da
borracha. Durante a Segunda Guerra Mundial, um exército de retirantes foi
mobilizado com pulso firme, propaganda forte e promessas delirantes para
deslocar-se rumo à Amazônia e cumprir uma agenda do Estado Novo. Ao fim do
conflito, em 1945, os migrantes que sobreviveram às durezas da selva foram
esquecidos no Eldorado. 'É como se tivessem passado uma borracha na
História', diz o cineasta cearense Wolney Oliveira, que está filmando o
documentário Borracha para a Vitória, sobre o assunto. Passadas décadas, os
soldados da borracha hoje lutam para receber pensão equivalente à dos
ex-pracinhas.
De olho em empréstimos para implantar seu
parque siderúrgico e comprar material bélico, o governo brasileiro firmou com
o americano, em 1942, os chamados Acordos de Washington. Sua parte no trato
era permitir a instalação de uma base americana em Natal e garantir o
fornecimento de produtos como alumínio, cobre, café e borracha (os seringais
da Malásia, controlados pelos ingleses, estavam bloqueados pelo Japão).
O então presidente Getúlio Vargas só tinha um
motivo para perder o sono: com o fim do primeiro ciclo da borracha, na década
de 10, os seringais estavam abandonados e não havia neles mais que 35 mil
trabalhadores. Para fazer a produção anual de látex saltar de 18 mil para 45
mil toneladas, como previa o acordo, eram necessários 100 mil homens.
A solução foi melhor que a encomenda. Em vez de
um problema, Getúlio resolveu três: a produção de borracha, o povoamento da
Amazônia e a crise do campesinato provocada por uma seca devastadora no
Nordeste. 'A Batalha da Borracha combina o alinhamento do Brasil com os
interesses americanos e o projeto de nação do governo Vargas, que previa a
constituição da soberania pela ocupação dos vazios territoriais', explica
Lúcia Arrais Morales, professora do Departamento de Ciências Sociais da
Universidade Federal do Ceará, autora do livro Vai e Vem, Vira e Volta - As
Rotas dos Soldados da Borracha (editora Annablume).
Estima-se que 31 mil
homens tenham morrido na Batalha da Borracha - de malária, febre amarela,
hepatite e onça
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O Ceará foi o centro de uma operação de guerra
que incluía o recrutamento e o transporte para os seringais de 57 mil
nordestinos - exército equivalente ao número de americanos mortos no Vietnã.
Cerca de 30 mil eram cearenses. 'Havia uma política racial no governo
Vargas', diz Lúcia. 'Diferentemente da Bahia e de Pernambuco, o Ceará não
recebeu muitos negros. Isso garantia a manutenção de certo perfil étnico na
Amazônia', explica.
A Rubber Development Corporation (RDC), com
dinheiro dos industriais americanos, financiava o deslocamento dos 'brabos',
como eram conhecidos os migrantes. O governo dos Estados Unidos pagava ao
brasileiro US$ 100 por trabalhador entregue na Amazônia. Vargas criou o
Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta), que
recrutava os homens. 'Estava no roçado com papai e chegou um soldado que me
mandou subir no caminhão para ir para a guerra', conta Lupércio Freire Maia,
de 83 anos, nascido em
Morada Nova, no Ceará. 'Eu queria só pedir a bênção à mãe,
mas o soldado disse que não tinha esse negócio, não. O caminhão estava
apinhado de homem.' Maia tinha 18 anos. Nunca mais viu a mãe, a mulher
grávida e o filho pequeno. Só recebeu algum tipo de explicação sobre o
'recrutamento' e a batalha alguns meses depois, às vésperas de embarcar para
o Acre.
Além do arrastão de jovens em idade militar,
que tinham de escolher entre ir para o front, na Itália, ou 'cortar seringa'
na Amazônia, o Semta fazia propaganda pesada - e enganosa. Contratou o
artista plástico suíço Pierre Chabloz para criar cartazes que eram espalhados
por todos os cantos, alardeando a possibilidade de uma vida nova na Amazônia,
'a terra da fartura'. Padres, médicos e outros líderes comunitários ajudavam
a fazer correr, boca a boca, as notícias sobre um lugar onde se 'juntava
dinheiro a rodo'. O Semta oferecia um contrato que previa um pequeno salário
para o trabalhador durante a viagem até a Amazônia e, lá chegando,
remuneração correspondente a 60% do que fosse obtido com a borracha.
VIDA BRASILEIRA
Exército - continuação
PAULA MAGESTE (texto)
MAURILO CLARETO (fotos)
 
''Embora tenham
sido iludidos, os migrantes tinham sua própria agenda. Queriam uma vida
melhor''
LÚCIA ARRAIS MORALES, da
Universidade Federal do Ceará
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Da boca do presidente Vargas, em discurso
inflamado, os nordestinos ouviram que eram tão importantes no esforço de
guerra quanto os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) que iam
para Monte Castello. Ouviram também que o seringueiro mais produtivo do ano
seria premiado com a bolada de 35 mil cruzeiros. Iludidos, jovens e até mesmo
famílias inteiras se alistavam. 'O pai não estava interessado no dinheiro',
conta Vicência Bezerra da Costa, de 74 anos, nascida em Alto Santo, no Ceará,
e agora dona de um restaurante caseiro em Xapuri. 'Ele queria que a gente
fosse para um lugar que tivesse água, onde a plantação vingasse.' Ela com 13
anos, mais o pai, a mãe e sete irmãos começaram um êxodo que durou 11 meses.
Da caatinga, os 'recrutas' seguiam de trem e
navio até os pousos construídos nos arredores de Fortaleza, Manaus e Belém.
Nessas hospedarias, conhecidas como campos de concentração, recebiam um
presente de Getúlio Vargas: o enxoval de soldado da borracha, composto de
calça de mescla azul, blusa branca de morim, chapéu de palha, um par de
alpercatas, caneca de folha-de-flandres, um prato fundo, um talher, uma rede
e um maço de cigarros Colomy. Um exame físico e a assinatura do contrato com
o Semta transformavam o agricultor em empregado, ganhando salário de meio
dólar por dia até o embarque para Boca do Acre, onde os seringalistas vinham
escolher seus trabalhadores - quase como num mercado de escravos.
Na viagem de navio, além da superlotação e do
tédio, os migrantes enfrentavam o medo do ataque dos submarinos alemães. 'Um
dia mandaram nos chamar no porão, onde ficavam nossos beliches, e ir para o
convés, com aqueles coletes apertados. A gente não podia dar nem um pio nem
acender fogo. Os caça-minas acompanhavam a gente. Minha mãe tirou as medalhas
do pescoço e rezou sem parar. Minha irmãzinha de 4 anos não parava de chorar',
recorda Vicência. No bolso do colete, água e biscoitos (caso o navio
afundasse) e uma cápsula de cianureto (se o inimigo os capturasse).
''A guerra foi
ganha com a nossa borracha. Merecemos indenização dos EUA''
AGUINALDO DA SILVA, 77 anos,
de Rio Branco
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O soldado da borracha já chegava endividado ao
seringal. O seringalista anotava cada centavo que gastava com o trabalhador:
comida, roupa, arma, material de trabalho e remédio. Opreço das mercadorias
no barracão do patrão era pelo menos o dobro do praticado nas cidades.
Opagamento era feito com a produção de borracha - que, essa sim, tinha a
cotação lá embaixo. Além da matemática que não fechava, o soldado enfrentava
doenças tropicais, animais selvagens e a dificuldade de se orientar na selva,
até mesmo de reconhecer uma 'seringa'. A realidade era muito diferente do que
pintavam os cartazes de Chabloz: nada de seringueiras geometricamente
enfileiradas, esperando para ser cortadas. 'Quando chegamos na colocação,
papai ficou uns dois meses cuidando de construir a casa', conta Raimundo
Alves da Silva, de 73 anos, do Rio Grande do Norte. Seu Flausino, como é
conhecido, foi companheiro de Vicência na viagem de barco para o Acre e agora
é seu vizinho em Xapuri. 'Eu é que ensinei papai a cortar seringa; ele fez tudo
errado no primeiro dia.'
A guerra acabou, os seringais da Malásia foram
liberados e os soldados da borracha abandonados no front. Na época, os 25 mil
sobreviventes do inferno verde não receberam nada do prometido - nem a
passagem de volta para casa. Muitos estavam tão endividados com os patrões
que tiveram de seguir cortando borracha. Outros, como seu Lupércio,
prosperaram e fizeram da Amazônia sua casa. 'Quando vou ao Ceará visitar meus
parentes, sonho com estas matas daqui', diz. 'Tudo o que tenho foi à custa da
seringa, não do governo. Porque o americano pagou, mas Juscelino construiu a
nova Brasília e a ''trança amazônica'' com nosso dinheiro', acredita. Na
década de 80, ele foi à Malásia ensinar o corte amazônico aos produtores. 'Se
a mulher topasse, eu estava lá.'
Uma última batalha ainda está sendo travada,
com igual desconhecimento da população. Desde 1988 os soldados da borracha
têm direito a pensão vitalícia de dois salários mínimos por mês. Eles são 12
mil e pedem a equiparação de direitos com os pracinhas, que recebem dez
salários por mês mais 13o. Se aprovada pelo Congresso, a medida representará
um aumento de R$ 23 milhões mensais nas despesas do governo. 'Esse negócio
está demorando tanto que quando sair não vai mais servir; vamos estar mortos',
lamenta Vicência. Mais radical é o acreano Aguinaldo Moreno da Silva, de 77
anos, que não foi soldado da borracha, mas trabalhava nos seringais. 'Temos
de ser indenizados pelos Estados Unidos, porque eles ganharam a guerra com a
nossa borracha', inflama-se. 'Os jovens de lá tiveram um Plano Marshall, um
incentivo de reconstrução. E aqui, o que nós tivemos?'
BORRACHA
PARA A VITÓRIA
Documentário de Wolney Oliveira deverá
estrear no
14º Cine Ceará, em junho
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MAKING OF.
Oliveira e dois ex-combatentes: 50 horas de gravação
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Produzido a partir de um prêmio de R$ 70 mil
e de vários apoios regionais, o documentário Borracha para a Vitória vai
misturar depoimentos de sobreviventes da Batalha da Borracha e material de
arquivo. Depois da estréia especial no festival de cinema do Ceará, em
junho, o filme de 55 minutos será exibido na TV Cultura a partir de julho.
Wolney Oliveira, que estudou Cinema em Cuba e fez outros dois
documentários, Sabor a Mi e Milagre em Juazeiro, gostou tanto
do tema da borracha - tem 50 horas de material gravado - que pretende
produzir também um longa de ficção que envolve quatro Estados (Amazonas,
Rondônia, Pará, Acre). O orçamento estimado é de R$ 5 milhões.
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VIDA BRASILEIRA
Documentos jogam luz na história
PAULA MAGESTE (texto)
MAURILO CLARETO (fotos)

HISTÓRIA DESCONHECIDA
O Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro,
e o
Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc)
guardam documentos e fotos da época
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PIERRE CHABLOZ Autor dos
cartazes de propaganda, o artista plástico suíço era contratado do Semta.
Também fez várias das fotos em arquivo. Seu diário de campo tem desenhos
detalhados do que acreditava serem os quatro biótipos básicos do homem
nordestino
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VIDA BRASILEIRA
Depoimento - Lupércio Freire Maia
PAULA MAGESTE (texto)
MAURILO CLARETO (fotos)

83
anos, nascido em
Morada Nova (CE) e
atualmente morador de Rio Branco (AC)
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A Alemanha queria o mundo todo para ela. O
americano enfrentou, mas não tinha muita potência que nem hoje. Então pediu
auxílio à Rússia, que negou. Getúlio Vargas achou que era uma fraqueza da
Rússia, um país daquele tamanho, deixar a Alemanha tomar conta do mundo. E
mandou as tropas brasileiras para lá. A gente tinha que escolher: ou a
linha de frente ou o Amazonas, como soldado da borracha. Eu perguntava para
meu primo Raimundo como era esse tal de Amazonas. Ele dizia que tinha um
bicho que engolia dez homens de uma vez e ainda ficava chorando. Eu achei
aquilo besteira, e quando chegou minha vez na fila escolhi ser soldado da
borracha. Raimundo preferiu ir para Monte Castello. Morreu por lá. Chegamos
em Belém e um major americano nos recebeu. Rapaz, como tinha gente lá. Eles
queriam crescer a base. A gente pegava um trem, ia quebrar pedra e voltava
com elas na cabeça. Depois de dois meses, embarcamos para Ponta Pelada, em Manaus. O capitão
dizia que não tinha jeito de fugir. Muita gente chorava, com saudade de pai
e mãe, com medo dos bichos. Eu fiquei animado com o dinheiro. Quantos
''merréis'' não seriam para eu receber quando acabasse a guerra? Era muito
dinheiro. Cheguei no Acre em 1943, com oito meses de viagem e 21 anos.
Seringalistas vinham pegar a gente. Os nativos ensinavam a cortar seringa.
Eu nunca tinha visto nem seringa nem tanta água na vida. No seringal só
tinha homem, cabra novo, de 16 até 30 anos. As famílias ficavam nos pousos.
Fazia festa homem com homem, dançava a noite todinha - mas de longe, sem
agarração. Começava no São-João e acabava no São-Pedro. Eu tinha um 44
novinho. Matava macaco, onça, cobra. E anta e veado para comer. As doenças
a gente curava com um comprimido chamado ''tiro seguro'', que servia para
febre, verme, pereba. Não tinha penicilina, não tinha nada. Não era todo
patrão que pagava. Tinha uns que mandavam o capanga pegar a borracha e
matar o cabra. A guerra se acabou e eu só fiquei sabendo em 1946. E nosso
dinheiro? A gente queria ir embora para o Ceará. Viajamos cinco dias para
ir do seringal à margem do Rio. O coronel disse que não decidia nada, só
Getúlio. E mandou a gente voltar para dentro e cortar seringa. Mudou o
presidente, mudou tudo, e não chegou notícia nenhuma para nós.
VIDA BRASILEIRA
Depoimento - Afonso Pereira Pinto
PAULA MAGESTE (texto)
MAURILO CLARETO (fotos)

79 anos, de Areia Branca (RN), hoje em Xapuri
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SEQÜELAS
Afonso Pinto perdeu uma das vistas com uma 'pancada de vento' e uma
perna por 'enfermidade'
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Papai queria que eu viesse cortar seringa
para não ir para a guerra. Mamãe não queria de jeito nenhum. Na hora
que a gente se alistava, diziam que aqui se juntava dinheiro com rodo.
Tudo era fácil. Só que, quando nós chegamos, além de cortar seringa,
ainda tinha que abrir estrada. Eu me alistei e embarquei para
Fortaleza. Passei dois meses lá. Só tinha homem no pouso. Aí peguei um
carro de boi para Teresina e depois um trem para o Maranhão. Passei
outra temporada lá e peguei o navio para Belém. Na Baía de Marajó o
navio encostou e pegou cento e tantos bois, que era para nós comer.
Passei quase dois meses dentro do navio e peguei uma chatinha para Boca
do Acre, um batelão para Rio Branco e outro para São Francisco. Nunca
gostei de cortar seringa, mas não tive preguiça. A gente era
perseguido. Não podia vender um principiozinho de borracha fora que a
polícia vinha atrás, pior que ladrão. Um dia, peguei uma pancada de
vento e perdi essa vista. Era bem novinho. Depois, peguei uma
enfermidade e perdi a perna. Quando acabou a guerra, não tinha dinheiro
para voltar para casa. Agora estou por aqui, aleijado, quase cego, mas
bem de vida, graças a Deus. Ganho dois salários, e ainda ajudo quem
precisa.
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VIDA BRASILEIRA
Depoimento - Vicência Bezerra da Costa
PAULA MAGESTE (texto)
MAURILO CLARETO (fotos)

74 anos, nascida em Alto Santo (CE)
e moradora de Xapuri
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SAUDADE
Dona Vicência guarda a foto dos pais e a imagem do Padre Cícero
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Minha mãe vendia cocada e tapioca. O pai
colhia algodão. A gente chegava da aula e ia para o roçado ajudar ele.
Na seca, a gente apanhava oiticica, enchia as latas e vendia. O pai
quebrava pedra. Aí veio essa história de soldado da borracha, que tinha
transporte e hospedaria para botar o pessoal. Meu pai se animou, mas
mamãe não queria. OSemta levou meu irmão. Eles juntavam aquele rodo de
rapaz e levavam. Minha mãe chorava, e então nós resolvemos ir. Eu tinha
13 anos. Em 1942, fomos para Fortaleza. O pouso não estava pronto. A
gente comia e esperava, e cantava hinos glorificando Getúlio. Tínhamos
café, almoço, roupa de americano. Ganhei um vestidão. Quase embarcamos
para a Amazônia várias vezes, mas meu pai ficou doente; aí os alemães
botaram um navio a pique. Demoramos quase um ano para chegar no Acre.
Na viagem, compusemos o hino do soldado da borracha: (...) Destemido
soldado brasileiro, seu produto servirá o mundo inteiro. Nós viemos
fazer borracha para a guerra. A gente tinha de ter força para trabalhar
e vencer, como vencemos. Meu pai também queria que a gente viesse para
um lugar que chovesse, onde plantasse e desse tudo. Chegamos na Boca do
Acre em dia de Finados. Ficamos dois meses. Aí veio a chata que nos
trouxe para Rio Branco. Arrumamos um patrão que nos levou para o
seringal. Em 28 de março de 1944 chegamos na colocação. Morei no
seringal 34 anos. Tive hepatite, meus olhos ficaram cor de açafrão.
Combatia com chá de alfazema, pois no seringal não tem médico. Só não
estou mais lá porque meu esposo morreu. Gostava de andar na mata,
trabalhar no roçado, amanhecer o dia dando de comer a porco e galinha.
Pegar castanha. Eu não tenho o que dizer da mata. A gente fazia 3 mil
quilos de borracha. Além disso, eu era a banqueteira da selva.
Batizado, casamento, festa no barracão do patrão - mandavam me chamar
três dias antes. Agora, quero ir para Manaus, descansar. Essa
aposentadoria de R$ 480 não paga o nosso sacrifício.
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VIDA BRASILEIRA
Depoimento - Alcidino dos Santos
PAULA MAGESTE (texto)
MAURILO CLARETO (fotos)

79 anos, de Afrânia (PE)
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HUMILHAÇÃO
O primeiro patrão de Alcidino dos Santos queria que ele carregasse
carga. 'Disse que não era burro nem jumento'
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Eu cheguei no Acre e perdi meus
documentos numa alagação. Passei um telegrama para ver se meu
''batistéu'', lá de Pernambuco, podia vir fazer tudo de novo. Mas não
teve jeito de continuar filho da minha terra. Tive que me naturalizar
acreano. Eu fui ''alistrado'' com 18 anos, por um decreto do presidente
Getúlio Vargas. Ou a gente vinha para cortar seringa ou ia para os
campos de batalha. Sendo assim, eu exigi vir para cá. Minha família
ficou chorando. Minha mãe pedia que eu não viesse, pelo leite que eu
mamei nos peitos dela. Mas um capitão me ''alistrou'' e fui para o
Ceará. Tratavam bem da gente no pouso. Bastava uma dor na unha para ter
medicamento. Comida boa, dormida boa. No correr do dia, a gente fazia
instrução. Mas só aprendi tiro aqui no Acre, para matar onça. A gente
comia da boca da arma. Em Manaus, o patrão vinha nos tirar. Fui para o
Rio Taruacá, Vila Seabra. Eram quatro casinhas. Fiquei só três meses
lá, porque o patrão queria humilhar a gente, fazendo carregar peso fora
do limite, que nem animal. Eu disse não, não sou burro nem jumento. Aí
fui para outra colocação. Tirei 35 anos lá. Fazia 1.700 quilos de
borracha todo ano, tinha roçado, casa de farinha. Tinha que gostar de
lá, porque não tinha para onde ir. O presidente Vargas dizia que quando
a guerra terminasse ele ia retornar nós para nossas famílias. Mas esse
trato não foi cumprido
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