soldados da borracha

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O QUE OS SOLDADOS DA BORRACHA TÊM A COMEMORAR?



O QUE OS SOLDADOS DA BORRACHA TÊM A COMEMORAR?

No último dia 5 de novembro de 2013 o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 346/2013, sugerida pelo líder do governo o deputado Arlindo Chinaglia em desconsideração à antiga PEC n.º 556/2002. O documento que fora aprovado em dois turnos de votação teve uma análise recorde e já nas próximas semanas será enviado para ser avaliado pelo Senado Federal. A medida vergonhosa e injusta prevê a concessão de uma indenização de R$25 mil reais e fixa a pensão mensal vitalícia em R$1.500,00, um aumento concreto de apenas R$144,00 aos cerca de 12 mil soldados da borrachas vivos e seus dependentes.

Aparentemente e sem a devida profundidade na análise do assunto uma grande parte da população pode estar pensando que os soldados da borracha têm e muito a comemorar com essa importante conquista e que de uma vez por todas o nosso país utilizou de um instrumento concreto para saldar as dívidas social, patriótica e histórica com esse segmento, que a confortável posição de silêncio antes adotada fora quebrada e que o esquecimento ao longo dos 71 anos desta parte da história mundial e brasileira foi saldado através da efetiva recuperação de uma parte da memória histórica de nosso país, e, é claro, com o reconhecimento financeiro dado pelos parlamentares às vítimas sobreviventes do Esforço de Guerra ocorrido nos seringais amazônicos.

Ledo engano pensar desta maneira! A Proposta de Emenda à Constituição n.556/2002 da antiga deputada federal, hoje senadora da república Vanessa Graziotin, desprezada pelos deputados que votaram na última terça, além de objetivar a correção de um grave erro histórico que é o de garantir os mesmos direitos concedidos aos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial previstos no artigo 53 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal, contemplava todas as reivindicações, apelos e direitos que foram amplamente discutidos e elaborados conjuntamente com os legítimos representantes dos soldados da borracha.

Além do que, aquela proposta e o tema foram analisados de forma exaustiva pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados e no seu parecer expedido contém a declaração de que os direitos ali concedidos se basearam em muitas pesquisas históricas e informações oficiais prestadas pelos órgãos governamentais competentes. Ainda segundo informações contidas naquele documento, as pesquisas indicaram que as condições enfrentadas por esses trabalhadores para exploração da borracha na selva amazônica foram extremamente adversas, ocasionando milhares de mortes, o que legitimava a preocupação de salvaguardar a dignidade daqueles sobreviventes. Os parlamentares responsáveis pelo estudo defendiam a ideia, de que apesar do grande lapso temporal havido, era extremamente necessário resgatar de alguma forma o plano de assistência aos trabalhadores da borracha editado no Decreto-Lei nº 9.882, de 16 de setembro de 1946 e confeccionado logo após o término da Segunda Guerra Mundial e que nunca saíra do papel.

Infelizmente, apesar da PEC n.º556/2002 ter tramitado por 11 (onze) longos anos, recebendo pareceres favoráveis de todas as Comissões Parlamentares, estando inclusive pronta para ser apreciada no Plenário da Câmara, recebendo durante todo esse período 24 (vinte e quatro) indicações para votação dentro da ordem do dia, o desrespeito foi tamanho por parte dos nossos deputados que de maneira açodada aprovaram uma proposta de emenda constitucional substitutiva, sem a devida, merecida e ampla discussão com o segmento social diretamente envolvido e que no final sofrerá com as terríveis consequências.

O que a PEC n.º 556/2002 tem de especial? Ela pretende estender aos seringueiros que integraram o esforço nacional realizado durante a Segunda Guerra Mundial, os direitos garantidos pela Constituição Federal aos ex-combatentes das forças armadas que atuaram no conflito, com vistas a reconhecer os relevantes serviços que prestaram à nação num momento de grande comoção mundial. Dentre os direitos previstos se encontram: (i) a pensão especial correspondente à deixada por segundo-tenente, atualmente no valor aproximado de R$4.700,00; (ii) em caso de morte, pensão à viúva ou companheira ou dependente; (iii) assistência médica, hospitalar e educacional gratuita, extensiva aos dependentes; (iv) abono natalino, o famoso 13º salário; e (v) prioridade na aquisição da casa própria.

Vale destacar que a proposta ofertada pelo Governo Brasileiro e aprovada em substituição à antiga PEC n.º 556/2002 nem de longe concede esses mesmos direitos. Ela descarta a incorporação ao serviço público ou aposentadoria especial dos soldados da borracha por se tratar de pessoas em idade avançada, transforma o benefício assistencial de dois salários mínimos em um valor fixo de R$ 1.500,00 (mil quinhentos reais), quantia que fatalmente sofrerá reajustes menores no futuro, pois passará a ser corrigida e regulada pelo índice utilizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para reajustar as aposentadorias, menor que o índice de correção do salário mínimo vigente nos últimos anos e com uma “jogada de mestre”, para evitar a afirmação de que tudo foi muito ruim, o governo utilizando uma forma ardilosa de calar a boca e aparentar uma vantagem especial concedida a esta categoria aprovou uma indenização de R$25 mil que deve ser paga em parcela única aos soldados da borracha e seus dependentes.

Infelizmente no nosso país, em véspera de ano eleitoral percebemos que os projetos políticos pessoais ainda se tornam balizadores de importantes decisões que afetarão milhares de pessoas, quando na verdade o espírito vetor ou o foco que deveria ter sido usado como guia pelos nossos parlamentares brasileiros nesta votação seria a resolução de uma vez por todas do problema enfrentado pelos soldados da borracha ao longo das décadas. O dever da nossa pátria era o de primar por laurear de forma digna esses bravos heróis brasileiros e não abrir ainda mais o fosso existente entre os soldados da borracha e os ex-combatentes das Forças Expedicionárias Brasileiras (pracinhas).

Reconhecer que essa “recompensa” dada pelo Brasil , diante de tudo o que os soldados da borracha passaram, é um avanço e uma conquista possível, é reafirmar em alto e bom som que o nosso país ainda viola os Direitos Humanos destes idosos e de seus familiares, além de espoliar, vilipendiar e relegar toda a contribuição que essas pessoas deram a formação do patrimônio histórico-cultural do nosso país e a sedimentação do sentimento de civismo!
Triste é saber que eles realmente ainda não têm o que comemorar...

Carlos Eduardo Barros da Silva – defensor interamericano e defensor público do Pará

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