O QUE OS SOLDADOS DA BORRACHA TÊM A COMEMORAR?
No último dia 5 de novembro de 2013 o
Plenário da Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) n.º 346/2013, sugerida pelo líder do governo o deputado Arlindo Chinaglia
em desconsideração à antiga PEC n.º 556/2002. O documento que fora aprovado em
dois turnos de votação teve uma análise recorde e já nas próximas semanas será
enviado para ser avaliado pelo Senado Federal. A medida vergonhosa e injusta
prevê a concessão de uma indenização de R$25 mil reais e fixa a pensão mensal
vitalícia em R$1.500,00, um aumento concreto de apenas R$144,00 aos cerca de 12
mil soldados da borrachas vivos e seus dependentes.
Aparentemente e sem a devida
profundidade na análise do assunto uma grande parte da população pode estar
pensando que os soldados da borracha têm e muito a comemorar com essa
importante conquista e que de uma vez por todas o nosso país utilizou de um
instrumento concreto para saldar as dívidas social, patriótica e histórica com
esse segmento, que a confortável posição de silêncio antes adotada fora
quebrada e que o esquecimento ao longo dos 71 anos desta parte da história
mundial e brasileira foi saldado através da efetiva recuperação de uma parte da
memória histórica de nosso país, e, é claro, com o reconhecimento financeiro
dado pelos parlamentares às vítimas sobreviventes do Esforço de Guerra ocorrido
nos seringais amazônicos.
Ledo engano pensar desta maneira! A
Proposta de Emenda à Constituição n.556/2002 da antiga deputada federal, hoje
senadora da república Vanessa Graziotin, desprezada pelos deputados que votaram
na última terça, além de objetivar a correção de um grave erro histórico que é
o de garantir os mesmos direitos concedidos aos ex-combatentes da Segunda
Guerra Mundial previstos no artigo 53 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, da Constituição Federal, contemplava todas as reivindicações,
apelos e direitos que foram amplamente discutidos e elaborados conjuntamente
com os legítimos representantes dos soldados da borracha.
Além do que, aquela proposta e o tema
foram analisados de forma exaustiva pela Comissão Especial da Câmara dos
Deputados e no seu parecer expedido contém a declaração de que os direitos ali
concedidos se basearam em muitas pesquisas históricas e informações oficiais
prestadas pelos órgãos governamentais competentes. Ainda segundo informações
contidas naquele documento, as pesquisas indicaram que as condições enfrentadas
por esses trabalhadores para exploração da borracha na selva amazônica foram
extremamente adversas, ocasionando milhares de mortes, o que legitimava a
preocupação de salvaguardar a dignidade daqueles sobreviventes. Os parlamentares
responsáveis pelo estudo defendiam a ideia, de que apesar do grande lapso
temporal havido, era extremamente necessário resgatar de alguma forma o plano
de assistência aos trabalhadores da borracha editado no Decreto-Lei nº 9.882,
de 16 de setembro de 1946 e confeccionado logo após o término da Segunda Guerra
Mundial e que nunca saíra do papel.
Infelizmente, apesar da PEC n.º556/2002 ter tramitado por 11 (onze) longos anos,
recebendo pareceres favoráveis de todas as Comissões Parlamentares, estando
inclusive pronta para ser apreciada no Plenário da Câmara, recebendo durante
todo esse período 24 (vinte e quatro) indicações para votação dentro da ordem
do dia, o desrespeito foi tamanho por parte dos nossos deputados que de maneira
açodada aprovaram uma proposta de emenda constitucional substitutiva, sem a
devida, merecida e ampla discussão com o segmento social diretamente envolvido
e que no final sofrerá com as terríveis consequências.
O que a PEC n.º 556/2002 tem de especial? Ela pretende
estender aos seringueiros que integraram o esforço nacional realizado durante a
Segunda Guerra Mundial, os direitos garantidos pela Constituição Federal aos
ex-combatentes das forças armadas que atuaram no conflito, com vistas a
reconhecer os relevantes serviços que prestaram à nação num momento de grande
comoção mundial. Dentre os direitos previstos se encontram: (i) a pensão
especial correspondente à deixada por segundo-tenente, atualmente no valor
aproximado de R$4.700,00; (ii) em caso de morte, pensão à viúva ou companheira
ou dependente; (iii) assistência médica, hospitalar e educacional gratuita,
extensiva aos dependentes; (iv) abono natalino, o famoso 13º salário; e (v)
prioridade na aquisição da casa própria.
Vale destacar que a proposta ofertada pelo Governo Brasileiro e
aprovada em substituição à antiga PEC n.º 556/2002 nem de longe concede esses
mesmos direitos. Ela descarta a incorporação ao serviço público ou
aposentadoria especial dos soldados da borracha por se tratar de pessoas em
idade avançada, transforma o benefício assistencial de dois salários mínimos em
um valor fixo de R$ 1.500,00 (mil quinhentos reais), quantia que fatalmente
sofrerá reajustes menores no futuro, pois passará a ser corrigida e regulada
pelo índice utilizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para
reajustar as aposentadorias, menor que o índice de correção do salário mínimo
vigente nos últimos anos e com uma “jogada de mestre”, para evitar a afirmação
de que tudo foi muito ruim, o governo utilizando uma forma ardilosa de calar a
boca e aparentar uma vantagem especial concedida a esta categoria aprovou uma
indenização de R$25 mil que deve ser paga em parcela única aos soldados da
borracha e seus dependentes.
Infelizmente no nosso país, em véspera de ano eleitoral percebemos
que os projetos políticos pessoais ainda se tornam balizadores de importantes
decisões que afetarão milhares de pessoas, quando na verdade o espírito vetor
ou o foco que deveria ter sido usado como guia pelos nossos parlamentares
brasileiros nesta votação seria a resolução de uma vez por todas do problema
enfrentado pelos soldados da borracha ao longo das décadas. O dever da nossa
pátria era o de primar por laurear de forma digna esses bravos heróis
brasileiros e não abrir ainda mais o fosso existente entre os soldados da
borracha e os ex-combatentes das Forças Expedicionárias Brasileiras
(pracinhas).
Reconhecer que essa “recompensa” dada pelo Brasil , diante de tudo
o que os soldados da borracha passaram, é um avanço e uma conquista possível, é
reafirmar em alto e bom som que o nosso país ainda viola os Direitos Humanos
destes idosos e de seus familiares, além de espoliar, vilipendiar e relegar
toda a contribuição que essas pessoas deram a formação do patrimônio
histórico-cultural do nosso país e a sedimentação do sentimento de civismo!
Triste é saber que eles realmente ainda não têm o que comemorar...
Carlos Eduardo Barros da Silva – defensor interamericano e
defensor público do Pará
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