Rev. bras. Hist. vol.21 no.40 São Paulo 2001
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-01882001000100006
Getúlio e a seca: políticas emergenciais na era Vargas
Frederico de Castro Neves
Universidade Federal do Ceará
RESUMO
Este artigo procura analisar as relações entre o Estado e os
retirantes das secas de 1932 e 1942, durante o período de Getúlio Vargas como
presidente. As intervenções realizadas para estabelecer um controle episódico
sobre essa população migrante, que invadia e saqueava cidades e armazéns, podem
abrir janelas de compreensão bastante amplas para examinar os mecanismos de
constituição do poder de Vargas e a permanência do "trabalhismo" no
Brasil, assim como as relações entre os modelos liberal e paternalista de
política.
Palavras-chave: seca; migrantes; controle social.
ABSTRACT
This
article aims the analysis of the relationship between State and the
"retirantes" of the 1932 and 1942 dry seasons, during the government
of the President Getúlio Vargas. The State actions tried to control this
migrating population, which invades and plunders cities and food stores. This
analysis can open such a useful window to see the mechanisms that constitute Vargas
power and the "trabalhismo" in Brazil, as well as the relations
between paternalistic and liberal models of politics.
Keywords:
drought; migrants; social control.
De modo geral, as análises sobre a "era Vargas"
enfatizam, por um lado, os aspectos de repressão e de manipulação do movimento
operário e, por outro, as características "paternalistas" de
construção de um mito de "pai dos pobres" através de concessões e
benefícios. No entanto, uma série significativa de trabalhos vem se
direcionando para a conclusão de que a "era Vargas" se constitui num
momento em que tais elementos – violência e manipulação, concessões e
benefícios – se combinaram na construção de uma imagem do
"trabalhismo" como expressão idônea de uma nação pacificada,
unificada e corporativa. Buscando esclarecer as formas de instituição de um
padrão de relacionamento entre Estado e sociedade no Brasil, em que os métodos
estabelecidos pelo modelo "paternalista" se combinam com aqueles
oriundos do modelo "liberal", especialmente no que diz respeito ao
campo das relações econômicas, estes trabalhos podem igualmente explicitar as
especificidades da formação da classe trabalhadora no Brasil. Ao mesmo tempo,
podem-se esclarecer as relações entre as pressões e as contrapressões que as
forças sociais empreendem no conjunto das lutas sociais, estabelecendo um
movimento contraditório que desafia as teorias do "controle social".
Desta forma, a partir dessa perspectiva, pode-se concluir
que o getulismo mantinha com as "leis" de mercado uma relação ambígua,
buscando alcançar um pleno equilíbrio entre autoritarismo político e
liberalismo econômico. Os momentos de crise, neste caso, são especialmente
favoráveis para uma análise destas formas de relacionamento, constituindo-se em
janelas privilegiadas para esclarecer parte deste período tão estudado da
história brasileira.
Getúlio Vargas, durante o período de 1930 a 1945, enfrentou
duas grandes secas: 1932 e 1942. Nesses dois momentos distintos, as ações
emergenciais diferiram em modo e intensidade, conforme as circunstâncias do
contexto histórico nacional e internacional e de acordo com o pacto
estabelecido com as oligarquias locais.
ESTADO E MERCADO
Em 1932, pela primeira vez a intervenção do Estado
brasileiro em período de seca no semi-árido cearense ocorreu de forma
coordenada e centralizada. Desde 1877, quando a seca assumiu o caráter moderno
que ainda hoje possui, as propostas de resolução ou de simples amenização da
"questão climatérica" que assolava os Estados do "Norte" não
passavam de respostas localizadas às invasões de retirantes famintos que
assolavam as cidades, reivindicando trabalho e comida. Mais do que uma
irregularidade pluviométrica, a seca pôde ser percebida, a partir de então,
como um fenômeno social inserido nas redes de relacionamentos políticos e
socioeconômicos, em que as condições de pobreza de uma parcela significativa da
população que habita o semi-árido são gravemente acentuadas em momentos de
crise. No entanto, tratada sempre como um fenômeno da natureza, a seca
fortalece suas raízes na sociedade brasileira e reforça uma teia política e
social que se opõe aos parâmetros estabelecidos da modernidade.
De qualquer maneira, de 1877 a 1932 estava gestando-se uma
nova estrutura de sentimentos em relação à pobreza generalizada a que a seca
dava visibilidade. Um novo relacionamento entre retirantes, governantes e
habitantes das cidades se tornava o centro de uma série de atitudes com relação
aos miseráveis em momentos de escassez, quando uma legitimidade social era
atribuída às ações coletivas que as multidões de retirantes já começavam a
empreender1.
Assim, um amplo programa de criação de campos de
concentração, em que os retirantes fossem induzidos a entrar e proibidos de
sair, foi implementado com total apoio da Interventoria Federal no Ceará. A fim
de prevenir a "afluência tumultuária" de retirantes famintos a
Fortaleza, cinco campos localizavam-se nas proximidades das principais vias de
acesso à capital, atraindo os agricultores que perdiam suas colheitas e se viam
à mercê da caridade pública ou privada. Dois campos menores situavam-se em
locais estratégicos de Fortaleza, conectados às estações de trem que traziam os
famintos, impedindo que eles circulassem livremente pelos espaços da capital.
Uma vez dentro do campo, o retirante era obrigado não só a permanecer nele
durante todo o período considerado de seca, mas deveria submeter-se a condições
de moradia, relacionamento, trabalho e comportamento regulados pelas normas
irredutíveis ditadas pelos dirigentes indicados pelo interventor – prefeitos
nomeados e engenheiros do IFOCS. Os campos, portanto, pretendiam impedir a
mobilidade física e política dos retirantes através da concessão de rações
diárias e de assistência médica. O controle dessa imensa população – o maior
campo, na cidade do Crato, chegou a abrigar quase 60 mil pessoas – representou
um gigantesco esforço de organização, que tinha seu contraponto nas ações
violentas das multidões de retirantes que ameaçavam tomar em suas mãos a
resolução de suas aflições2.
Por outro lado, o contexto político, econômico e
institucional em que se desenrolou a seca de 1932 foi, em vários aspectos,
diferente das secas anteriores.
Em primeiro lugar, as mudanças institucionais decorrentes do
movimento que chegou ao poder em outubro de 1930 se efetivaram de maneira
desigual nos Estados que compunham a Federação. Pode-se afirmar que "a
‘Revolução de 30’ no Ceará, tal como ocorreu em outros Estados do Brasil,
desalojou do poder as oligarquias mais tradicionais, sendo o espaço político temporariamente
ocupado pelos tenentes revolucionários e pelas oligarquias dissidentes que
assimilaram o ideário político da aliança liberal"3.
A fragilidade da estrutura partidária e a crise econômica
que se arrastaram desde meados do século XIX favoreceram a centralização do
poder nas mãos dos interventores e permitiram a ampliação da ação
revolucionária, apesar da "heterogeneidade de intuitos das suas mais
fortes correntes formadoras"4.
Para o "Norte", visto de uma forma geral e
superficial, o engajamento no processo revolucionário significava a
possibilidade de uma "redenção política e econômica", em função da
presença marcante, na direção nacional do movimento, de importantes lideranças
locais, como Juarez Távora, que poderiam trazer para a região benefícios que
eram negados, segundo os reclamos das elites, pelos governantes
"oligárquicos" da República Velha. Como se pode observar, tratava-se
de uma continuidade política com relação ao paternalismo oligárquico em suas
formas mais elementares – a troca de favores, o beneficiamento pessoal – que se
procurava restaurar num momento de ruptura da ordem institucional. O que se
pretendia com uma "participação mais efetiva na política do País" era
a proximidade de grupos locais específicos com as esferas reconhecidas do poder
federal, situadas em São Paulo e Rio de Janeiro.
Assim, as possibilidades de uma ação centralizadora das
Interventorias se faziam mais fortes no Ceará que nos Estados do sul do País.
Apesar disso, não seria possível aos interventores desenvolver uma ação de
governo, mesmo que prioritariamente apenas para "implementar as medidas
administrativas do Governo Federal", sem que houvesse um intercâmbio
político com as elites dirigentes e, de modo mais amplo, com as classes
dominantes locais.
Em segundo lugar, a crise nacional provocada pela Revolução
Constitucionalista de São Paulo colocava em questão a necessidade de uma
resolução imediata do "problema" da seca.
De um lado, a centralização política nos primeiros momentos
do período revolucionário favorecia a tomada de decisões sem a consulta aos
grupos locais nem o respeito a trâmites democráticos de participação política.
Podiam ser tomadas medidas de assistência à população "flagelada" a
partir de ordens diretamente emanadas do Ministério da Viação e Obras, via
Interventoria, sem necessariamente passar pela intrincada rede de interesses
patrimoniais envolvidos nas relações de poder nos sertões. Segundo um membro da
"comissão technica constituida para inspeccionar os actuaes trabalhos da
Inspetoria das Sêcas", sr. Maurício Joppert, essa foi uma das mais fortes
razões para o sucesso do "programma desenvolvido pelo Sr. Ministro José
Américo", realizado em um profícuo "ambiente technico e moral
elevado" e dentro do "mesmo methodo de trabalho, a mesma uniformidade
de commando"5.
De outro lado, o comprometimento das lideranças cearenses
com o movimento de 30 impunha a necessidade de um posicionamento imediato
contra as pretensões paulistas. Pretendiam esses líderes que o alinhamento
total com a "Revolução" garantiria para o "Norte" uma
posição favorável no jogo de forças políticas a nível nacional, já que a
vitória governista ameaçaria, mesmo que superficialmente, o predomínio paulista
sobre a política e a economia nacionais, considerado pelas elites locais como o
principal fator da sua decadência. O jornal O Povo (em 24 de agosto de 1932),
portanto, imediatamente, aprovou a criação do "segundo Batalhão provisório
destinado a colaborar militarmente com as forças federais, em defesa da
Ditadura, ou seja, da própria Revolução de 30, ora agredida pelos reacionários
paulistas". A "inoportuna Rebelião Paulista", segundo ainda o
jornal, "traz, em seu bojo, uma sede de domínio que, se tivesse de ser
saciada, acarretaria a desgraça do Norte", já que "a hegemonia
paulista sempre foi funesta aos nossos interesses regionais". A
"Revolução de 30", ao contrário, veio "criar para o Norte
condições próprias até então desconhecidas". Como, então, hesitar em sua
defesa?
Assim, a atenção dada pelo governo à rebelião paulista se justificava
aos olhos da imprensa e das lideranças cearenses, apesar da necessidade de uma
ação imediata em razão da seca.
Em outubro, porém, com o fim das hostilidades em São Paulo,
a atenção do governo pôde ser cobrada com maior intensidade.
Com a rebellião paulista a attenção de nosso povo voltou-se
para o sul. Enquanto se fallava no front, no movimento de tropas e na
organização de batalhões provisórios, enquanto se exaltava o desassombro das
forças dictatoriais e a estratégia do general Klinger, os nossos pobres do
Campo de Concentração eram de algum modo esquecidos. Hoje, porem, quando a
Pátria Brasileira foi integralisada no regime da ordem e da paz, chamamos a
attenção de nossos leitores, novamente, para o Estado do Campo de Concentração
do Ipú, o qual acabamos de visitar nesta semana6.
As queixas apareciam timidamente na imprensa. Os relatórios
as desprezavam. A assistência aos retirantes da seca cearense ocupou um
evidente segundo plano nas prioridades governamentais daquele momento, o que,
em função das razões já mencionadas, não causou o desagrado que se esperaria
entre jornalistas e políticos locais. Do ponto de vista material, contudo, a
ajuda financeira concedida pelo Ministério da Viação ao governo do Ceará,
destinada à assistência aos retirantes, passou da média de 200:000$000 de abril
até agosto de 1932 para 800:000$000 em novembro, chegando a 1.500:000$ em março
de 1933.7 O fim da guerra civil abria os cofres da Nação e as cobranças podiam
ganhar maior visibilidade no espaço público.
Diante dessas limitações e possibilidades, o governo pôde
realizar seu "amplo" programa de assistência aos retirantes,
intervindo diretamente no mercado local. Essa intervenção não se deu somente no
âmbito do mercado de trabalho, através da criação de vagas "artificiais"
de trabalho em obras públicas destinadas a "ocupar" uma mão-de-obra
desmobilizada num momento de crise, mas também, de forma incisiva, no mercado
de alimentos, regulando os preços e o abastecimento de produtos de primeira
necessidade.
O "commissariado de alimentação publica",
reorganizado em abril, já estabelecia uma intervenção maciça nos preços e nas
quantidades de produtos disponíveis no mercado, especialmente de Fortaleza.
Tais medidas foram ampliadas pelo Decreto nº 796, de 17 de outubro de 1932,
criando a "Commissão de Abastecimento Publico", "que ficou
incumbida da fiscalização de todo territorio do Estado". Vale a pena
transcrever na íntegra as "principais funcções da commissão de
abastecimento":
a) organizar na capital do Estado o cadastro de todos os
armazéns, mercearias e quaesquer estabelecimentos em que sejam expostos á venda
generos de primeira necessidade; b) proceder ao levantamento do stock de
artigos de primeira necessidade existentes naquelles estabelecimentos
comerciaes; c) manter perfeito serviço de estatística dos generos alimenticios
entrados na capital do Estado, por qualquer via; d) organizar semanalmente e
fazer publicar todos os sabbados tabellas de preços maximos para a venda de generos
alimenticios; e) obter cotações de differentes artigos no interior, na capital
e nas demais praças do paiz; f) solicitar das repartições publicas informações
sobre os preços de transportes de mercadorias; e g) finalmente, exercer
rigorosa fiscalização relativamente á execução das tabellas de preços em vigor.
Com a nova comissão, segundo avaliação do interventor,
"todo commerciante ficou impossibilitado de reter generos alimenticios em
seus estabelecimentos ou depositos, com o intuito de provocar elevação de
preços". A penalidade aos infratores chegava a multas de 500$000 a
1:000$000 "e ao dobro, nas reincidências". A ação contra os
especuladores, objetivando controlar os preços dos alimentos consumidos
especialmente pelos retirantes, abrangia todo o território do Estado e atingia
"commerciantes grossistas", "retalhistas" e
"encarregados de fornecimento nos serviços da Inspectoria Federal de Obras
Contra as Secas", evitando que "os operarios e a população do Estado
fossem explorados na compra dos generos de primeira necessidade"8.
O Governo Provisório usava toda a sua autoridade, advinda da
situação discricionária daquele momento, para intervir nas relações de mercado
e regulamentar as atividades que pudessem alterar a ordem pública, gerando a
insatisfação popular pelo aumento dos preços. O mercado, nessa visão
autoritária, tinha uma função na segurança pública; regular suas atividades,
portanto, era atribuição do Estado, tal como o entendiam os principais mentores
do novo regime. A visão liberal de igualdade de todos diante do mercado era
progressivamente substituída pela noção de que "o Estado Nacional
erguia-se em função do fundamento da desigualdade dos homens e das nações e
postulava soluções políticas específicas para cada povo" e que se tratava,
portanto, fundamentalmente, de "buscar os meios de tornar a autoridade
mais justa e mais eficiente no enfrentamento da questão social da
necessidade". O Estado, assim, em contraposição à visão liberal, "não
mais devia restringir-se às suas funções protetoras de polícia, mas atuar como
um verdadeiro coordenador na distribuição da riqueza nacional". Isso se
combinava perfeitamente com o "ideal de justiça social" preconizado
pelos "revolucionários", cujo "critério de valor" era
exatamente "o ideal de respeito ao trabalho e aos frutos do
trabalho"9.
A "questão social" que se formulava então
relacionava-se, dessa maneira, à idéia de "necessidade", cujas
exigências se ajustavam, em parte, às reivindicações da multidão que se apossou
das mercadorias em Orós e outras cidades do Ceará nas primeiras semanas de
1932, anunciando uma forma de ação – o saque e a invasão das cidades – e um
sujeito coletivo – a multidão – que se generalizariam a partir da década de
1950, instituindo uma tradição legitimada socialmente. Por vias diversas, o
autoritarismo do regime do pós-30 e o comunitarismo "tradicional" dos
retirantes em busca de alimentos percebiam o mercado muito mais pela lente da
"moralidade" – daquilo que deve servir ao Estado ou aos pobres em momentos
de escassez profunda – do que pela percepção liberal de um automatismo advindo
de leis invisíveis que não se pode ou não se deve deter ou regular.
Por outro lado, a "distribuição da riqueza
nacional" também estava atrelada às especificidades de cada momento, de
cada situação. A escassez proporcionava ao regime uma rica oportunidade para
exercitar essa capacidade de controlar o mercado e de impor uma ampla
regulamentação no sentido de garantir "o ideal de respeito ao trabalho e
aos frutos do trabalho". As críticas ao liberalismo, que reifica o
mercado, encontraram nesse momento de crise uma forte justificativa e uma ampla
base social no sentido de garantir um apoio geral às intervenções estatais nas
relações econômicas. O regime, assim, tornava público um domínio considerado
como pertencente à esfera privada.
Até 1930, as relações entre os governantes e os retirantes
haviam se baseado num terreno movediço mal delimitado, de um lado, pelos
costumes tradicionais da vida sertaneja e, de outro, pelo "liberalismo
oligárquico" que dominava a esfera do Estado no Brasil, com todas as suas
peculiaridades. As demandas apresentadas pelos refugiados da seca, nesse
contexto, eram recebidas pelas autoridades ora com desdém – confiantes na
capacidade do mercado de reequilibrar-se por si mesmo e na secular submissão do
homem do campo –, ora com temor – diante das possibilidades de revolta contidas
na formação da multidão como agente de organização popular. No segundo caso,
porém, as intervenções no mercado de trabalho e alimentos se tornavam comuns,
regulando a ordem econômica para que a miséria e a fome não se alastrassem a
níveis insuportáveis, destruindo as redes de relações sociais e políticas que
mantinham – ou pretendiam manter – o homem preso aos vínculos da dependência
pessoal, da obediência e da submissão. Do ponto de vista dessas autoridades,
foi daí – deste alastramento da fome e do risco da mortalidade em massa – que
surgiu a reação destruidora dos retirantes, como um "espasmo" de
preservação última da vida.
Os governantes do regime autoritário do pós-30 não pensavam
diferente. Entre eles também predominava a "visão espasmódica", que
condenava as ações da multidão de retirantes ao campo dos
"instintos",10 mas, ao contrário do que acontecia antes, não
hesitavam no momento de intervir na ordem econômica, pois o desequilíbrio
social significava, para eles, ameaça à ordem política, ao regime, à segurança
nacional.
Essa intervenção, todavia, por mais que pareça fruto de um
planejamento centralizado e racional, portanto moderno, se conectava às
expectativas construídas dentro do "modelo" paternalista de
ordenamento das relações sociais. Curiosamente, mas nem tanto, as perspectivas
racionalizadoras do regime "revolucionário" de 30 articulavam-se aos
padrões ditos "oligárquicos", mais uma vez, dando a esse momento a
característica de complexidade pela qual é conhecido e estudado.
Nos momentos em que o liberalismo predomina nas esferas de
estruturação do Estado, direcionando as políticas sociais, o conflito com os
padrões paternalistas se estabelece com maior intensidade; nestes momentos, a
resistência "moral" na percepção do mercado em tempos de crise se
fortalece e ganha visibilidade em ações diretas e, muitas vezes, violentas.
GUERRA E SECA
As formas de relacionamento entre retirantes e autoridades,
estabelecidas pelo regime do pós-30 permaneceram, pelo menos em alguns
aspectos, na seca de 1942. A possibilidade de envolvimento do Brasil na Segunda
Grande Guerra, no entanto, se apresentava como um elemento a fornecer
características peculiares a esse momento. Era, mais uma vez, um elemento que
agia de modo a favorecer uma intervenção direta no mercado de trabalho e
alimentos, conforme ocorreu em 1932. O clima de guerra favorecia soluções
autoritárias.
Os técnicos encarregados de observar e analisar as condições
climáticas e as obras públicas encaminhadas em função das secas já previam que
o ano de 42 poderia ser difícil.
O inverno de 1942 encontrou, entretanto, o proletariado
rural do Nordeste enfraquecido para qualquer resistência maior; sem recursos do
ano anterior, em que as chuvas foram notoriamente escassas; lutando, desde o
início, contra a carestia exorbitante dos generos alimentícios de primeira
necessidade; sem o apoio indispensável do proprietário rural que, com raras
exceções, o abandonou à sua sorte, ou melhor, o entregou a proteção dos poderes
públicos aos primeiros sinais de mau inverno. Daí a inquietação provocada pelas
primeiras irregularidades das precipitações e que culminou no quasi pânico que
se seguiu à falta de chuvas no equinócio de Março11.
O superintendente identifica, aqui, mais uma vez, a passagem
de uma proteção realizada no âmbito da propriedade privada para a proteção
"oficial" a cargo do Estado. Por outro lado, a
"inquietação" da população rural se verificava em função não só de um
"mau inverno" de 1941, mas principalmente de uma "carestia
exorbitante" que a atormentava já no início de 1942, chegando a um
"quasi pânico" em março, quando o "mau inverno" foi seguido
por outro. O adjetivo "exorbitante", utilizado pelo técnico do
governo, pode significar, enunciado nesse momento do Estado Novo, uma
impaciência com relação às forças do mercado de alimentos, que, ao primeiro
sinal de seca, se "desequilibra", permitindo um aumento desordenado
de preços. Isso pode demonstrar o Estado de ânimo dos intelectuais e técnicos –
encarregados de interpretar e solucionar os problemas sociais gerados pela
"seca" – para com o liberalismo, nesse momento em que um processo de
centralização política já se efetivara com relativo sucesso no Brasil, na
vitória da política trabalhista e corporativista de Getúlio Vargas. Assim, a
necessidade de uma rápida e eficiente intervenção governamental no mercado de
alimentos e trabalho ganhava espaço, mais uma vez, entre as autoridades
encarregadas de promover a "proteção dos poderes públicos" ao
"proletariado rural".
Em 19 de março de 1942, dia de São José,12 a seca foi
novamente "decretada" no Ceará, com todos os atributos que já
conhecemos. O jornal O Povo, de 27 de março de 1942 anunciou que "Fortaleza
começa a ser invadida pelos Flagelados da Sêca", e que dificilmente se
poderia conter "a avalanche humana que ruma" para as "regiões
menos expostas á sêca". A "visita dos deserdados da sorte",
"andrajosos e famintos", vinha provocando as igualmente conhecidas
providências tomadas pelos órgãos estatais, com vistas a "atenuar o
flagelo".
Alguns prefeitos procuraram sensibilizar o próprio
presidente Vargas, enviando-lhe telegramas relatando a situação em seus
municípios. Foi denunciada uma "calamidade indescritível", uma
"horrenda situação", em que "nossos patrícios" encontravam-se
"morrendo de fome". Os "infelizes famintos" percorriam as
cidades em "afluência tumultuária", esgotando as reservas da caridade
particular13.
Uma "negociação coletiva através da arruaça"14 já
estava em andamento, e os canteiros das obras públicas gerenciadas pelo DNOCS
(Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, reestruturado a partir do
antigo IFOCS) transformaram-se imediatamente em arenas políticas onde se
desenrolava um embate estranho de pressões e contrapressões, em que mais valia
o envolvimento pessoal que domina os códigos da cultura do que uma
racionalidade universal baseada na legalidade ou na capacidade técnica.
Os "chefes", engenheiros que comandam os
acampamentos e o trabalho, tinham que tentar conciliar a capacidade da obra em
receber novos trabalhadores, a necessidade técnica de cada uma delas e o
direcionamento político dado pelos dirigentes do órgão. Eles, assim como os
policiais, procuravam evitar maiores conflitos, mas reconheciam a urgência da
fome e, assim, aceitavam as bases de legitimação que a própria multidão
imprimia aos seus movimentos. Quando ocorria algum assalto aos acampamentos e
fornecimentos, geralmente o resultado do "roubo" era "mais tarde
distribuído a todos, com advertências", pela própria polícia.
A atitude com relação ao saque era ambígua: a polícia
tomava, mas imediatamente devolvia os alimentos aos saqueadores. Mas essa
ambigüidade era característica do modelo paternalista assumido pelo Estado,
transformando-se em paternalismo oficial. Nas mãos dos chefes e dos
responsáveis pelos alistamentos recaía a responsabilidade de negociar com a
multidão nas áreas de trabalho, enquanto nas cidades essa era tarefa dos
padres, prefeitos e outras autoridades locais. Com a "conversa", o
"contato", a "promessa", os chefes procuravam
"acalmar" uma multidão que se impacientava com a falta de medidas ou
com a demora nas atitudes práticas de distribuição de alimentos. Precisam,
obviamente, conhecer em profundidade os padrões culturais e as expectativas
sociais dos retirantes, associados a uma agricultura de tipo tradicional – a
pequena propriedade (própria ou arrendada) familiar – cujos objetivos
econômicos se resumiam à obtenção de uma precária e provisória "segurança
alimentar". Sem esse conhecimento, ele "estará perdido": a
multidão, fora de controle, poderia tomar atitudes imprevisíveis ou, no mínimo,
violentas, assumindo com as próprias mãos a tarefa de obter os alimentos tão
necessários15.
O impacto dessas invasões sobre o comércio, sobre as
autoridades locais e sobre a população urbana pode ser facilmente imaginado,
apesar das dificuldades dos observadores em avaliar com exatidão suas
dimensões, e dos interesses dos correspondentes dos jornais em exagerar o
evento, além dos limites da "invasão". Os retirantes procuravam as
áreas centrais das cidades, áreas normalmente próximas aos mercados de
alimentos, feiras livres e prédios das prefeituras. As áreas residenciais não
eram diretamente afetadas pela presença dos famintos, muito embora eles
circulassem pedindo esmolas; mas, como em toda cidade pequena, as notícias
corriam rápido e a presença de uma multidão que muitas vezes alcançava um
número expressivo causava, quase sempre, curiosidade e espanto.
O próprio interventor Menezes Pimentel resolveu, em
telegrama, alertar o presidente da República do perigo das concentrações de
retirantes nas cidades cearenses:
"Para evidenciar agudeza situação, cumpre-me esclarecer
V. Ex. que estão se concentrando milhares famintos numerosos municipios Estado,
havendo cerca 6.000 Sobral, 4 a 5.000 Senador Pompeu, 1.000 Jaguaribe,
aproximadamente 2.000 Canindé e outros tantos Tauá e muitos outros pontos
interior. Nesta Capital existem cerca 5.000 flagelados."
Concluiu que "praticamente não há mais zona onde não se
manifeste fome, não se concentre população flagelada pedindo trabalho"16.
No entanto, o alistamento de um número exagerado de novos
trabalhadores, praticamente da noite para o dia, provocou distúrbios
inesperados na estruturação dos trabalhos, alterando a rotina produtiva e
exigindo modificações técnicas. O superintendente do DNOCS assinalou que
"a capacidade de absorção de trabalhadores dessas obras não é proporcional
ao montante das dotações correspondentes", indicando problemas
financeiros. Mas, ao mesmo tempo, ressaltou que "a construção mecânica intensiva
– que não pode ser alterada de repente, para a manual, sem graves prejuízos –
reduz grandemente esta capacidade, e a Inspetoria terá de examinar
cuidadosamente cada caso, para evitar a desorganização dos seus serviços".
Assim, algumas obras, ou alguns setores no interior de alguma obra, não puderam
ser modificados imediatamente de modo a permitir o "emprego de grande
escala de operariado não especializado". Colocavam-se em confronto uma
racionalidade técnica voltada para a alta produtividade e melhor aproveitamento
dos recursos com menor custo, e uma necessidade de atender à
"intensificação dos socorros". A solução – "verificada a
insuficiência desses recursos" – foi "atacar novas obras, em pequeno
número, e distribuídas de maneira a atender razoavelmente às necessidades das
diferentes regiões evitando-se uma dispersão de esforços que a experiência de
crises anteriores tem mostrado ser, por todos os motivos,
desaconselhável". Além dessas obras novas, especialmente a construção de
estradas, outras medidas foram sugeridas para fixar os homens que se deslocavam
em determinados pontos fora das cidades, onde causavam problemas políticos,
sociais e administrativos: "a distribuição de famílias de retirantes pelas
vazantes das bacias hidráulicas dos açudes públicos construídos", "a
localização de famílias retirantes nas áreas irrigadas dos Postos
Agrícolas" e "a localização, ainda em pequenos lotes, de famílias
retirantes nas áreas das bacias de irrigação já dominadas pelos canais e ainda
não cultivadas pelos respectivos proprietários"17.
Do ponto de vista organizacional, portanto, a presença dos
retirantes causava problemas administrativos que devia ser resolvidos dentro
dos limites de uma implacável racionalidade técnica, que procurava alocar as
"peças" disponíveis de acordo com uma lógica de melhor aproveitamento
dos recursos e de menor índice de desperdício, de acordo com uma visão ampla da
organização social, vista de cima, como um todo, que desprezava as injunções e
"interferências" culturais e locais, especialmente se vindas do
modelo paternalista das relações sociais. Os retirantes, segundo a visão dos
técnicos, deveriam ser distribuídos pelo território, em obras e serviços a
serem definidos exclusivamente pelo órgão técnico competente, inseridos em
relações de trabalho que não dominavam, mas que eram as mais adaptadas
(tecnicamente falando) às circunstâncias. Esta racionalização dos socorros
evitaria a "esmola desmoralizante", o que foi reforçado pelo
correspondente de O Povo (28 de março de 1942) em Alto Santo, afirmando que
"gente pobre aqui não aceita esmola, pede trabalho". A demanda por
trabalho, como se verifica, não especificava a natureza do objeto a ser
produzido nem as relações de produção a serem empregadas. Pressupõe-se que o
retirante, pelo Estado de absoluta necessidade, aceitaria qualquer trabalho,
sob quaisquer circunstâncias.
Mas a situação crítica parecia, por vezes, reforçar os laços
de reciprocidade estabelecidos nas relações entre o Estado Novo e a sociedade.
Em Canindé, por exemplo, apesar da fome e do desespero enfatizados
detalhadamente em cada reportagem, "o povo espera porque o homem que o
governa é o mesmo que o salvou em 1932". O jornalista, procurando resumir
as esperanças de todos os que estavam envolvidos por esse manto do paternalismo
oficial, concluiu: "todos esperam nas providências do Dr. Getúlio
Vargas!" (O Povo, 5 de maio de 1942).
As correntes de migração e movimentação dos retirantes, como
já era sabido, acompanhavam as obras estabelecidas pelo DNOCS, e os técnicos,
intelectuais e políticos pareciam unânimes em afirmar que "somente os
serviços públicos poderiam concorrer ponderàvelmente para minorar a situação,
que se agravava progressivamente". No entanto, apesar dos créditos abertos
pelo governo federal "para atender ao custeio de diversos serviços a cargo
do 1º Distrito da Inspetoria de Sêcas", chegou-se à conclusão de que
"a crise não podia ser tão facilmente superada, como se julgava
anteriormente, embora o flagelo fôsse realmente parcial"18.
A solução, mais uma vez, foi a emigração; agora, todavia,
dentro de um novo contexto, em que o "discurso do Poder reduz brasilidade
a parâmetros geográficos e econômicos" e que a grande tarefa imposta pelas
novas condições da realidade nacional seria "eliminar os ‘vazios demográficos’
e fazer com que ‘as fronteiras econômicas coincidam com as fronteiras
políticas’", conforme discurso do presidente Vargas em Manaus, em 1940,
pregando uma "cruzada" para a Amazônia nos moldes da "Marcha
para o Oeste" que se efetivava então no centro-sul do País19. O momento
favorável permitiu a formação de um "Exército da Borracha", formado
para lutar no front dos seringais amazônicos e arregimentado nas áreas secas do
semi-árido nordestino, especialmente do Ceará.
As complicações econômicas decorrentes da Segunda Guerra
Mundial apresentaram para os países aliados o problema do abastecimento de
borracha, um elemento importante na fabricação de veículos, pneus e armamentos
em geral, tornando a sua obtenção uma questão estratégica muito importante para
o esforço de guerra. Assim, os seringais da Amazônia retornaram ao centro do
comércio internacional da borracha devido à expansão bélica japonesa sobre as
áreas de produção na Ásia. Contudo, "como o problema do povoamento do vale
[amazônico] ainda não tinha sido resolvido, organizou-se em caráter emergencial
uma nova onda migratória para o Norte", e, para isso, o governo criou, em
novembro de 1942, o SEMTA (Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores
para a Amazônia) com o "objetivo de alistar e recrutar trabalhadores para
a ‘Batalha da Borracha’". A especial coincidência de tais efeitos e
necessidades da guerra e a eclosão de mais uma seca fez com que a sede do novo
órgão fosse instalada em Fortaleza, onde mais facilmente se poderiam encontrar
"flagelados candidatos a seringueiros"20.
Antes mesmo da criação do SEMTA, a emigração para o Norte já
havia se iniciado nos moldes conhecidos das outras secas, sob a coordenação do
Conselho de Imigração e Colonização do Brasil em cooperação com a Delegacia
Regional do Trabalho. Um esquema de transportes foi montado para receber e
transladar os retirantes para Belém e Manaus. O Lloyd Brasileiro colocou um de
seus navios à disposição para fazer a linha de Fortaleza a Belém "até que
se desafoguem os maiores centros de aglomeração dos flagelados no Ceará".
Os embarques, porém, foram suspensos após "os torpedeamentos dos nossos
navios mercantes em águas da Bahia pelos bandidos fascistas" (O Povo, 20
de junho e 31 de outubro de 1942).
Ao mesmo tempo, novos campos de concentração foram
organizados na capital, procurando evitar o trânsito indesejado dos retirantes
pelas ruas da cidade. Em outubro, os campos foram unificados no campo do
Alagadiço, sob a direção das irmãs Marianas, do Dispensário dos Pobres. Uma
comissão de senhoras, liderada pela sr.ª Anita Gentil Barbosa, administrava os
serviços, procurando oferecer socorro para as crianças, vestuário e assistência
hospitalar, tendo conseguido um "generoso auxílio do comércio" e
prometendo prestar contas do dinheiro arrecadado, "uma vez findos os seus
trabalhos"21. O campo, também chamado de "albergue", no entanto,
não era "rigorosamente o que desejavam realizar as autoridades do
Ministério do Trabalho", com dois mil retirantes se amontoando "sob a
sombra de árvores frondosas, encontrando-se, por conseguinte, expostos á
chuva", em condições higiênicas precárias.
A campanha realizada pelo SEMTA, entretanto, possuía
contornos "científicos". A propaganda passou a ser o principal
mecanismo de mobilização dos flagelados e de adesão da opinião pública,
utilizando intensamente um conjunto de imagens e textos – segundo Alcir
Lenharo, "um dos recursos largamente utilizados pelos intelectuais do
Estado Novo" – que construíam a idéia de uma Amazônia ideal, terra da
"promissão", da "fartura" e da "esperança", que
se contrapunha ao Ceará, terra da "seca". A genialidade do artista
francês Jean Pierre Chabloz veio somar-se a essas propostas, produzindo uma
série de pinturas e cartazes em que foram veiculadas as imagens paradisíacas de
uma Amazônia tropical, feliz e próspera, onde todos encontravam trabalho e onde
a água era abundante. Ao mesmo tempo, os desfiles dos "soldados da
borracha" pelas ruas de Fortaleza, assim como os programas radiofônicos
diários, contribuíam para a formação de uma adesão em massa à emigração e, por
conseguinte, um apoio da população cearense à contribuição brasileira ao
esforço de guerra dos aliados. Não foi por acaso que os retirantes eram
alistados e preparados como soldados que iriam se deparar com uma
"batalha" e que estavam envolvidos numa "guerra". O
discurso bélico colaborava fortemente com a imposição de um conjunto de medidas
drásticas aparentemente que se contrapunham radicalmente à realidade da seca. O
fim da guerra iria demonstrar o contrário: o soldado foi esquecido, e o campo de
batalha, abandonado.
O "albergue" do Alagadiço tornou-se um posto de
seleção para os candidatos a seringueiros, onde o Serviço Especial de Saúde
Pública concentrou seus esforços para inspecionar aqueles que estavam realmente
aptos para enfrentar o trabalho na floresta amazônica. Um acordo entre Brasil e
EUA garantia remédios, passagens, salários para médicos e enfermeiros, enfim,
toda uma infra-estrutura de apoio ao serviço. Os médicos, liderados pelo dr.
Albino Figueiredo, trabalhavam sem parar e chegavam a inspecionar 900 pessoas
num só dia, "um verdadeiro ‘record’ e uma prova evidente da eficiência do
Serviço Especial de Saúde Pública", segundo O Povo de 5 de janeiro de
1943.
Também, como resultado desse acordo, foi instalado em
Fortaleza o escritório central da Divisão de Migração, sob a direção do dr.
Charles Wagley, professor de Sociologia da Universidade de Columbia (NY), e um
"homem culto e de extraordinária capacidade de trabalho". Segundo
afirmou O Povo em 13 de janeiro de 1943, "o ilustre sociólogo americano
vem tendo uma atuação eficiente no desempenho da importante missão que lhe foi
confiada pelo governo daquela nação amiga". Era ele, então, quem
supervisionava todo o trabalho de recolhimento, seleção, assistência médica e
embarque dos retirantes que se dirigiam à Amazônia. A necessidade de controle
sobre as migrações de retirantes sem trabalho durante a seca combinava-se com a
necessidade estratégica de estimular as migrações de trabalhadores para a área
dos seringais amazônicos.
Contudo, apesar desses maciços investimentos, e mesmo em
função deles, as estratégias de controle da população retirante invariavelmente
refletiam os conflitos que, por sua vez, não cessavam de acontecer. O
interventor federal, em telegrama a Vargas, reconhecia que em "vários
lugares tem havido tentativas de assaltos, depredação de casas comerciais,
obrigando fechamento de estabelecimentos, negocios, repartições arrecadadoras,
inclusive da União"22.
Em Senador Pompeu, por exemplo, o comércio permanecia
fechado. Uma comissão da Associação Comercial denunciou a presença ameaçadora
de 2.000 flagelados na cidade, e "apela mais uma vez" aos
"sentimentos humanitários" do governo para que este interferisse
junto ao "chefe da Nação" no sentido de que fossem tomadas
"medidas suficientes" que solucionassem a "vexatória
situação" em que se encontrava o comércio local23. Ao mesmo tempo, as
estações de trem continuavam sob a constante ameaça de assalto pelos
retirantes. Em Luna, cerca de 50 pessoas invadiram o trem e viajaram em direção
a Fortaleza nos vagões de carga. Na estação de Arrojado Lisboa, um número
indefinido de famintos tomou de assalto o comboio da R.V.C. "com o
propósito de viajar até a capital cearense". A regularidade do serviço
ferroviário ficou comprometida, segundo a notícia, pelas "constantes
ameaças de assaltos dos flagelados", que colocavam dormentes nas linhas e
exigiam pela força a entrada nos vagões (O Povo, 5 e 9 de janeiro de 1943).
As ações da multidão somente foram interrompidas com as
primeiras chuvas, atraindo os agricultores de volta à terra, que deveria ser
rapidamente preparada para a próxima colheita. Ao mesmo tempo, as chuvas
solaparam as bases de legitimidade que essas ações possuíam no interior da
sociedade. Sem a seca a justificar o aumento da miséria e da fome, a pressão
dos grupos de famintos tornou-se inaceitável e passível de repressão policial.
A chegada de um "inverno" regular em março de 1943
recolocou também a necessidade de encaminhar os retirantes de volta aos seus
locais de moradia no interior do Estado. Com o auxílio da Legião Brasileira de
Assistência e do governo estadual, o Dispensário dos Pobres empreendeu uma
campanha de auxílio ao regresso dos retirantes ao interior, com a concessão de
passagens de trem, sementes e uma quantia em dinheiro. O campo de concentração
do Alagadiço, sem função, foi alugado pelo SEMTA para "a formação de um
dos seus núcleos de famílias em Fortaleza"24.
No dia 15 de março de 1943 foi inaugurada a Hospedaria
Getúlio Vargas que, segundo O Povo, "pode ser apontada, hoje, como um
modelo de organização". A cerimônia de inauguração teve a presença do
próprio ministro do Trabalho, sr. Marcondes Filho, além do interventor Menezes
Pimentel, do general Gil Castelo Branco e de outras altas autoridades. O
discurso oficial da cerimônia ficou a cargo do delegado regional do Trabalho,
dr. Raul Domingues Uchôa, que "teceu um hino à fortaleza do cearense que
vai, com energia e patriotismo, desbravar a Amazônia ciclópica". A nova
hospedaria foi programada com uma "capacidade para manter, com relativo
conforto, um total de 1.200 pessoas", em que cada família "participa
diariamente de três refeições e aguarda, confiante, o dia do embarque para o
extremo norte". A presença de altos dignitários do Estado Novo indicava a
importância dada a esta nova instituição, encravada na encruzilhada de dois
planos estratégicos do governo brasileiro naquele momento: controlar a
mobilidade da população retirante durante as secas e participar efetivamente do
esforço de guerra aliado à produção da borracha amazônica.
Apesar de pretender ser uma instituição permanente, a
Hospedaria "tinha por finalidade oferecer pouso provisório, na travessia
daqui para o Norte, aos flagelados nordestinos que iam compor o exército da
borracha – não por coincidência também o exército da reserva"25.
Porém, a despeito dos discursos inflamados e dos
investimentos políticos realizados na construção do imenso casarão "da rua
Olavo Bilac", este iria se tornar o centro dos maiores conflitos entre
retirantes e autoridades de Fortaleza durante as secas na década de 1950,
quando, em vez do projetado, recebeu até 11 mil pessoas, que lotaram não só
suas dependências internas, mas todas as áreas livres ao redor, em condições
extremamente precárias de alojamento.
O PADRÃO "ESTADO NOVO"
As análises empreendidas até aqui indicaram algumas
peculiaridades no relacionamento entre retirantes das secas e autoridades, que
é preciso destacar mais conclusivamente.
As estruturas de sentimentos que se constituíram ao longo
dos anos de 1877 a 1932 apontavam para uma combinação nas formas de percepção
da pobreza, da mendicância e, especialmente, dos mecanismos de assistência aos
pobres em momentos de crise. Ao mesmo tempo, os modelos liberal e paternalista
– entendidos como formas ideais de concepção e organização do social – eram
colocados em prática por autoridades e reclamados pelos retirantes, dependendo
da situação histórica que se apresentava.
Porém, a princípio, era o modelo liberal que se pensava
estar mais de acordo com os padrões de desenvolvimento que se pretendia para o
Brasil. Em vista disso, a hesitação em intervir diretamente no mercado de
trabalho e de alimentos poderia nos levar a uma dupla e complementar
interpretação.
Indicava, por um lado, uma esperança de que o equilíbrio entre
oferta e demanda retornasse aos padrões "normais" sem que fosse
necessária essa intervenção ou, antes, que essa intervenção poderia ser mais um
fator a piorar a crise. Os relatórios das autoridades responsáveis pela
aplicação de possíveis medidas corretivas – ministros, interventores e técnicos
do IFOCS/DNOCS – eram claros em condenar as práticas anteriores de concentrar
ou "abarracar" os retirantes, criar frentes de trabalho que não
fossem adequadas às capacidades técnicas dos órgãos encarregados pelas obras
ou, mais enfaticamente, a simples e "desmoralizante" distribuição de
alimentos ou esmolas. Apesar do ambiente político favorável à intervenção, com
as restrições aos mecanismos de participação política formal, tais autoridades
procuraram, a princípio, deixar o mercado "livre" para buscar o
equilíbrio que a crise decorrente da seca havia desfeito. Elas duvidavam,
enfim, que quaisquer medidas de controle do mercado de trabalho e alimentos, a
serem aplicadas no momento da seca, poderiam sanar o problema da escassez e da
fome; pelo contrário, parece que temiam que fossem causar mais danos à
população pobre e, principalmente, ao próprio mercado. Conscientemente ou não,
incluíam-se no debate acerca do próprio liberalismo e sua fundamentação social
e moral, além de sua eficácia prática para resolver situações de conflito; de
fato, aludiam ao lugar a ser ocupado pelo mercado numa sociedade sujeita a
crises periódicas que, se não são rigorosamente previsíveis, são parte da
própria relação estabelecida entre a sociedade, tal como se estruturou no
semi-árido, e a natureza. A hesitação que manifestavam demonstrava que a
crítica ao liberalismo efetuada pelos próceres do Estado Novo se resumia,
prioritariamente, ao campo político; quanto ao mercado de alimentos, permanecia
a crença em uma auto-regulação espontânea que tendia "naturalmente" a
encontrar um equilíbrio entre seus componentes e que a intervenção só devia ser
efetivada no caso de uma situação crítica.
A distinção entre liberalismo político e econômico servia
para que se pudesse "negar o primeiro, mas apenas corrigir-se os exageros
do segundo", de modo que o intervencionismo do Estado "não deveria
chegar aos excessos totalitários de negação do mercado e do valor econômico de
uma liberdade privada do indivíduo"26. A presença da multidão exigindo
proteção, vinha forçar essas autoridades a intervir, já que colocava em questão
a "segurança" social e ameaçava a ordem instituída. Assim, a
regulamentação do mercado proposta implicitamente pelos retirantes, através de
suas ações "espontâneas" e "tumultuárias", se contrapunha
aos princípios do "livre mercado" defendidos pelo liberalismo
econômico em suas várias versões. Se, para este, o mercado seguia leis que lhe
eram inerentes e "naturais", para a multidão o mercado devia ser
dirigido e regulamentado em tempos de crise para que não houvesse fome e
sofrimento; enfim, às leis do mercado se contrapunha a "lei da vida",
evidenciando uma visão rigidamente moralizada que se opunha a uma visão técnica
e pretensamente objetiva. De fato, ao exigir distribuição de alimentos e
abertura de frentes de trabalho, os retirantes forçavam um tipo de
redistribuição da riqueza social que se baseava no pressuposto de que a
escassez era socialmente localizada, ou seja, que apenas uma fração da
população era afetada pela "seca", enquanto outra continuava fruindo
dos benefícios da produção social.
Obviamente, só é possível distribuir alimentos se há
alimentos em quantidade suficiente para ser distribuído. Este argumento
prático, em sua efetividade, coloca em questão uma outra abordagem básica do
pensamento liberal, que afirma que as crises são provocadas por um
"declínio na disponibilidade de alimentos" que, todavia, não leva em
consideração o relacionamento das pessoas com o consumo e a produção de
alimentos, o que necessariamente envolve sistemas de poder, propriedade e
direito27. A escassez, portanto, não seria um fato natural, mesmo se
relacionada a um fenômeno climático, mas resultado de uma dada forma de
relações sociais que perpetua as desigualdades e baseia-se na produção de
conflitos generalizados de interesses.
Este debate se reproduz nas interpretações formuladas sobre
a seca. Ela pode ser vista – na perspectiva assumida pela grande maioria dos
técnicos e autoridades governamentais – como um fenômeno da natureza que
provoca uma escassez periódica, que deve ser combatido através do acúmulo de
água em reservatórios cada vez maiores, priorizando "a captação de água e
a melhoria e modernização tecnológicas com vistas ao aumento da produtividade".
A questão social embutida na seca é tratada como uma incompatibilidade entre as
possibilidades financeiras do Estado e as soluções técnicas já conhecidas para
superar ou neutralizar a ausência ou irregularidade no abastecimento de água. O
resultado é um discurso que se lamenta da falta de recursos e, no mesmo
movimento, cobra incessantemente do governo federal uma política especial de
financiamento para o "Nordeste", isto é, para a implementação de
obras públicas de "combate às secas" ou para o incremento da economia
"regional" que ampliaria aquelas possibilidades financeiras. Como se
vê, esta perspectiva se inclui perfeitamente na abordagem liberal citada,
assumindo integralmente a teoria do "declínio na disponibilidade de
alimentos". Mas a seca pode ser entendida também a partir da idéia de que
a "estrutura fundiária e econômica do Nordeste condena o pequeno produtor
a cultivar apenas essas culturas de ciclo curto, sensíveis às variações do
tempo e às chuvas irregulares", que "não se adaptam ao meio
físico". As relações sociais, nesta outra perspectiva, tornam-se o ponto
central na distribuição da riqueza social e se relacionam diretamente com a
escassez que, de certa forma, beneficia aqueles que controlam as linhas de
força sobre as quais estas relações são produzidas, através da ampliação dos
latifúndios nos momentos de seca e da redução periódica do valor comercial das
culturas produzidas pelos pequenos produtores num sistema de agricultura
tradicional, onde se objetiva tão-somente obter uma precária "segurança
alimentar"28.
As ações da multidão estão, portanto, conectadas, mas nem
sempre articuladas com as disputas teóricas encetadas no âmbito – para elas
inacessível – do mundo letrado onde se desenvolvem as políticas do Estado e as
teorias econômicas.
Por outro lado, a hesitação das autoridades significava
também o receio de enfrentar e entrar em confronto direto com comerciantes de
alimentos e outros negociantes ou proprietários de terras que enriqueciam com o
aumento de preços dos gêneros de primeira necessidade e com a queda nos preços
dos lotes abandonadas pelos retirantes, mesmo em momentos como o período
"pós-30" ou o Estado Novo. A agilidade administrativa demonstrada
pelas autoridades em 1932 contrastava com a hesitação comumente evidenciada em
outros momentos. Talvez isso se deva à presença do paraibano José Américo de
Almeida à frente do Ministério da Viação e Obras Públicas num momento em que o
governo provisório necessitava demonstrar um amplo controle da situação
política, especialmente em função da guerra civil em São Paulo.
Mas, por outro lado, a relativa independência política do
interventor Carneiro de Mendonça, ainda observada naquele ano, pode ajudar a
explicar esta rapidez de movimentos: ele ainda podia ser visto como um
"tenente" que pretendia se colocar acima dos conflitos entre grupos
políticos rivais, imagem que se desfez no ano seguinte. Em 1942, ao contrário,
a estreita vinculação do interventor Menezes Pimentel com grupos políticos e
econômicos tradicionais impedia a mesma capacidade de intervenção técnica; esta
ocorreu mais pela necessidade (externa) de braços para os seringais amazônicos,
no contexto do esforço de guerra dos aliados. De qualquer maneira, em termos
gerais, o trabalhismo demonstrou uma sensibilidade muito maior do que os
governos "liberais" para com a chamada "questão social".
O controle estatal dos preços dos alimentos ou a sua
distribuição aos retirantes eram atitudes adotadas em casos extremos, quando a
iminência de uma revolta era sentida pelas autoridades, e a "segurança
nacional" estava em jogo. O açambarcamento e a especulação de preços nas
mercadorias fornecidas aos retirantes alistados em obras públicas, porém, eram
amplamente conhecidos. As mudanças nas formas de pagamento dos serviços
demonstram esse conhecimento e a dificuldade em superá-lo positivamente: em
1932, quando "já se verificava a inflação nos preços dos gêneros ao dispor
dos trabalhadores", ora "o abastecimento de víveres pela Cruz
Vermelha" era abandonado "por implicar em maior dispêndio de
recursos", ora "um sistema de fornecimento de víveres local sob a
indicação e fiscalização do governo do Estado" era aplicado; mesmo assim,
como os "atrasos no pagamento começaram a se intensificar", o
interventor, "para não perturbar o andamento dos trabalhos e para que os
comerciantes particulares não cortassem os suprimentos", resolveu
distribuir os gêneros, "evitando dessa forma a paralisação dos
trabalhos". A irregularidade e a frouxidão nas regras de abastecimento de
víveres aos retirantes concentrados ou incorporados às obras públicas, além das
dificuldades na fiscalização, favoreciam a corrupção e o aproveitamento por
parte dos pequenos e grandes comerciantes, timidamente denunciados na imprensa
– amarrada por compromissos políticos e econômicos e, mais do que isso,
controlada de perto pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) e pelo
DEIP (Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda).
Por parte dos retirantes, o momento das secas apenas
agravava a desconfiança em relação aos comerciantes, transformando os locais de
"fornecimento" em locais de permanente conflito. De qualquer maneira,
a população retirante, aos cuidados do governo, formava um mercado tentador de
dezenas, às vezes centenas de milhares de "consumidores" – na
verdade, só um consumidor: o Estado – para os negociantes de gêneros
alimentícios. Além de compensar uma discutível queda do consumo em função da
crise, o "fornecimento" abria a oportunidade de manipular verbas
públicas de emergência, "a fundo perdido", além de manipular os
próprios retirantes em seu analfabetismo e em sua inabilidade na compreensão
dos mecanismos escritos de comunicação.
Outra fonte de recursos ilícitos era a construção dos açudes
e estradas, em que amplas possibilidades de super-faturamento ou irregularidades
eram abertas pela falta de infra-estrutura de fiscalização, muito embora tais
"deslizes" fossem menores do que os que ocorreriam em 1958. Além dos
lucros monetários, uma conexão entre os políticos e os comerciantes garantia
lucros políticos significativos para as lideranças locais, que negociavam vagas
nos alistamentos e outros benefícios possíveis, como alistamento de várias
pessoas da mesma família, ou de crianças, ou em vários "barracões" ao
mesmo tempo29.
Assim, a convicção liberal na capacidade do mercado de
retomar o equilíbrio em momentos de crise, não obstante as críticas oficiais do
regime ao liberalismo político, permanecia influente entre as autoridades
encarregadas de implementar as medidas de assistência aos retirantes. Ao
tomá-las, os dirigentes estatais – estaduais ou federais – sabiam estar indo
contra os princípios do mercado; faziam-no, porém, na defesa da "segurança
pública". Isso poderia explicar a recepção dos primeiros retirantes em
Fortaleza, em 1932, pelas principais autoridades locais, especialmente
policiais, além da vigilância permanente sobre os campos de concentração e de
trabalho e sobre os passos dos retirantes pelas cidades.
Durante esse período (1930 a 1945), o padrão de
relacionamento entre retirantes e autoridades, a despeito das críticas ao
liberalismo político efetuadas pelo regime e da rapidez e profundidade das
intervenções realizadas em 1932 e 1942, baseou-se ainda nos pressupostos do
liberalismo econômico, da idéia de "mercado livre" e da crença nas
"leis" do mercado, modelando uma forma de solucionar os conflitos
decorrentes das invasões de retirantes, combinando elementos do paternalismo –
a presença direta das autoridades nos locais "críticos", o controle
do mercado de alimentos (em 1932) e a imediata distribuição de alimentos e
vagas em obras públicas, que se assemelhavam à prática da "proteção"
aos pobres em tempos de dificuldades – com a abordagem clássica do liberalismo,
especialmente na esperança de retorno a um "ponto de equilíbrio" do
mercado com a retirada das medidas intervencionistas.
O Estado Novo, afinal, não era tão novo assim...
NOTAS
1 ALBUQUERQUE JR, Durval M. "Palavras que calcinam,
palavras que dominam: a invenção da seca do Nordeste". In Revista
Brasileira de História. São Paulo, ANPUH/Marco Zero, vol. 15, nº 28, pp.
111-120; 1995, [ Links ]e NEVES,
Frederico de C. A Multidão e a História: saques e outras ações de massas no
Ceará. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000. [ Links ]
2 Em trabalho anterior, analisamos este programa e suas
implicações do ponto de vista dos próprios retirantes. NEVES, Frederico de C.
"Curral dos Bárbaros: os campos de concentração no Ceará (1915 e
1932)". In Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/Contexto, vol.
15, nº 29, pp. 93-122, 1995. [
Links ]Cf. também RIOS, Kênia S. "A cidade do Sol à sombra do
flagelo". In Projeto História. São Paulo, EDUC, nº 19, novembro de 1999,
pp. 215-225. [ Links ]Em 1915, já
havia sido criado um campo de concentração em Fortaleza, quando uma elevada
taxa de mortalidade causou um grande impacto entre a população da cidade. Cf.
TEÓFILO, Rodolfo. A Seca de 1915. 2ª ed, Fortaleza: Ed. UFC, 1982; [ Links ]e QUEIROZ, Raquel de. O
Quinze. 52ª ed, São Paulo: Siciliano, 1993. [ Links ]
3 SOUZA, Simone. "As Interventorias no Ceará
(1930-1935)". In SOUZA, Simone de (Coord.) História do Ceará. Fortaleza:
FDR, 1994, p. 321. [ Links ]
4 GIRÃO, Raimundo. Pequena História do Ceará. 4 ª ed,
Fortaleza: Ed. UFC, 1984, p. 207.
[ Links ]
5 ALMEIDA, Ministro José Américo de. O Ministério da Viação
no Governo Provisório. Rio de Janeiro: Officina dos Correios e Telegraphos,
1933, pp. 222-223. [ Links ]
6 Correio da Semana, 5 de novembro de 1932. Esse artigo foi
o primeiro de uma série de quatro reportagens sobre as condições do Campo de
Concentração do Ipu.
7 ESTADO DO CEARÁ. Relatório apresentado ao Exmo. Presidente
da República pelo Interventor Federal Cap. Roberto Carneiro de Mendonça. 22 de
setembro de 1931 a 5 de setembro de 1934. Fortaleza: Imprensa Official, 1936,
p. 64. [ Links ]
8 Idem, p. 65. A "efficiencia dessa commissão" é
demonstrada por um quadro que mostra a "quantidade de multas impostas ao
comercio do Estado".
9 GOMES, Ângela M. de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Rio
de Janeiro: Vértice, 1988, pp. 220-222.
[ Links ]
10 Cf. THOMPSON, E. P. "A economia moral da multidão
inglesa no século XVIII", e "Economia moral revisitada". In
Costumes em Comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, pp. 150-202 e
203-266. [ Links ]
11 DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas).
Relatório dos Trabalhos Realizados no ano de 1942. São Paulo: DNOCS, 1942, p.
35. [ Links ]
12 Padroeiro do Ceará, não por acaso São José simboliza a
esperança de chuvas regulares no sertão. Por outro lado, a passagem do
equinócio prenuncia, para os meteorologistas, a configuração do mapa
pluviométrico que irá caracterizar a situação de "seca" ou de
"inverno". Para os "profetas populares", ao contrário,
pequenas alterações em elementos da natureza prenunciam a estação seguinte: as
orelhas dos jumentos, o comportamento sexual das lacraias, etc.
13 Arquivo Nacional, Telegramas Recebidos pela Secretaria da
Presidência da República, 1942. [
Links ]
14 HOBSBAWM, Eric J. Os Trabalhadores. Estudos sobre a
História do Operariado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p. 15. [ Links ]Elaborado no contexto das
rebeliões dos mineiros ingleses do início do século XIX, este conceito parece
extremamente adequado às situações aqui analisadas.
15 GUERRA, Paulo de Brito. Flashes das Secas. Fortaleza:
DNOCS, 1983, pp. 22-23. [ Links ]
16 Arquivo Nacional, Telegramas Recebidos pela Secretaria da
Presidência da República, 1943. [
Links ]
17 DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas).
Relatório das Trabalhos Realizados no ano de 1942. Op. cit., p. 27. O
Superintendente observa ainda que "a afluência tumultuária de
trabalhadores às obras cresce de valor como índice do desequilíbrio da vida na
região quando se considera o fato iniludível de lutarmos, em regra, com
dificuldade de braços para o andamento normal dos trabalhos da Inspetoria, o
que tem condicionado a mecanização progressiva de nossos serviços" (p.
34). Isto é: em tempos "normais", há falta de mão-de-obra para as
obras do DNOCS, o que é resolvido com a mecanização; no entanto, em tempos de
seca, quando há excesso de mão-de-obra, a mecanização impede a absorção de
novos trabalhadores não qualificados.
18 SOBRINHO, Tomás Pompeu. História das Sêcas (século XX).
Fortaleza: Ed. Batista Fontenele, 1953, pp. 49-50. [ Links ]
19 LENHARO, Alcir. A Sacralização da Política. 2ª ed, São
Paulo: Papirus, 1986, pp. 56-57. [
Links ]
20 VIEIRA, Mª do Socorro G. O "Soldado da
Borracha". Discurso da Emigração numa Economia de Guerra. Monografia de
Bacharelado em História apresentada à UFC. Fortaleza, 1993, pp. 7-8. [ Links ]
21 O Povo, 1 de outubro de 1942. [ Links ]Somente em 29 de abril de
1943 a comissão declarou que a "missão está finda", ressaltando que a
continuidade do trabalho de assistência só foi possível com a ajuda do governo do
Estado, da LBA, do Comitê Britânico de Socorro às vítimas da guerra, do
arcebispo de Fortaleza e do SEMTA. Gazeta de Notícias, 29 de abril de
1943. [ Links ]
22 Arquivo Nacional, Telegramas Recebidos pela Secretaria da
Presidência da República, 1943. [
Links ]Nunca é demais observar que as fontes que utilizamos, normalmente
provenientes das classes dominantes, "exprimem mais um projeto ou um
programa do que uma operação", e é nesta inflexão que devemos examiná-las.
PERROT, Michelle. Os Excluídos da História. Operários, prisioneiros, mulheres.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, pp. 54-55. [ Links ]
23 O Povo, 5 de janeiro de 1943. [ Links ]A população do núcleo urbano
de Senador Pompeu somente chegaria a ter 15.681 habitantes em 1950. A observar
também que as demandas por ajuda passaram a ser encaminhadas diretamente ao
governo federal e, assim, o governo estadual tornou-se um mero intermediário
entre as necessidades locais e os órgãos federais, reforçando os laços
estabelecidos diretamente entre Getúlio e o "povo".
24 O Povo, 5 de fevereiro de 1943; [ Links ]Gazeta de Notícias, 29 de
abril de 1943. [ Links ]O
prefeito de Boa Viagem, no entanto, reclamou da falta de sementes, pois as que
chegaram não foram suficientes: "temos boas chuvas e falta absoluta de
sementes". Arquivo Nacional, Telegramas Recebidos pela Secretaria da
Presidência da República, 1943.
25 ARAÚJO, Mª Neyára de O. A Miséria e os Dias: História
Social da Mendicância no Ceará. São Paulo: Hucitec, 2000, p. 115. [ Links ]
26 GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Op.
cit., p. 223.
27 THOMPSON, E. P. "Economia moral revisitada".
Op. cit., p. 229. A expressão "declínio na disponibilidade de
alimentos" é representada pela sigla FAD ("food availability
decline"). Avaliamos, em outra oportunidade, as possibilidades de
utilização do conceito de "economia moral" fora de seu ambiente
original – o século XVIII inglês. Cf. NEVES, Frederico de C. "Economia
Moral versus Moral Econômica (ou: o que é economicamente correto para os
pobres?)". In Projeto História. São Paulo, EDUC, nº 16, fevereiro de 1998,
pp. 39-58. [ Links ]Salim Rachid,
em interessante artigo, levanta questão semelhante ao comparar os estudos de
Adam Smith e alguns de seus seguidores com as políticas desenvolvidas pelos
governos ingleses na Índia e na Irlanda no século XIX, que levaram a uma
intensificação da fome e da miséria. Ele conclui que as "leis de
mercado", de modo geral, se contrapõem à máxima romana – aceita por alguns
políticos ingleses do século XVIII e, de certa forma, implícita em todas as
relações entre sociedades desiguais e a pobreza – que assegura a primazia da
subsistência popular sobre as leis econômicas: Salus populi Suprema Lex. RACHID, Salim. "The Policy of
Laissez-faire During Scarcity". In The Economic Journal, 90 (September
1980), pp. 493 e 498-499. [
Links ]
28 CERQUEIRA, Paulo C. L. "A Seca no Contexto Social do
Nordeste". In CPT/CEPAC/IBASE. O Genocídio do Nordeste (1979-1983). São
Paulo: Mandacaru, 1989, p. 36. [
Links ]Cf. também: SCHWARZ, Alf. "Lógica do desenvolvimento do Estado e
lógica camponesa". In
Tempo Social. São Paulo, vol. 2, nº 1, 1990, pp. 75-114; [ Links ]e SCOTT, James C. The Moral
Economy of the Peasant. London: Yale University Press, 1976. [ Links ]Para uma visão geral das
secas: NEVES, Frederico de C. "A Seca na História do Ceará". In
SOUZA, Simone de (org.) Uma Nova História do Ceará. Fortaleza: Edições
Demócrito Rocha, 2000, pp. 76-102.
[ Links ]
29 FROTA, Luciara S. de Aragão e. Documentação Oral e a
Temática da Seca. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1982, pp. 205 e
209. [ Links ]
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