Essa foi uma entrevista dada pela escritora Verónica Secreto, em que ela demonstra como surgiu seu interesse acadêmico pela saga dos nordestinos.
Borracha e escravidão nos seringais da Amazônia
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24/6/2007
Um dos episódios mais contraditórios protagonizado
pelos brasileiros na “II Guerra Mundial” não se deu no front, mas nos seringais
da Amazônia. Trata-se do recrutamento massivo de mão-de-obra nordestina –
cearense principalmente – para o trabalho de extração do látex, matéria-prima
fundamental para o esforço aliado na Europa. A “convocação” dos “soldados da
borracha” contou com os auspícios do governo Vargas – era alavancada por
promessas de prosperidade no ermo Norte . No entanto, em vez do eldorado, os nordestinos
encontraram o inferno: enfrentaram o trabalho escravo, duras jornadas e
péssimas condições de moradia. O episódio em questão, que atiça a verve da
academia, é analisado pela historiadora argentina María Verónica Secreto no
livro “Soldados da Borracha” (Editora Perseu Abramo), lançado recentemente.
Professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Verónica
Secreto se interessou pelo tema quando lecionou no Departamento de História da
UFC, na condição de docente visitante. Abaixo, confira entrevista com a
pesquisadora.
A senhora é uma historiadora argentina. O que a levou a se interessar por um
episódio polêmico da história e das relações de trabalho brasileiras?
Como sempre, o que nos leva a determinadas escolhas são um conjunto de fatores.
Em primeiro lugar, talvez venha minha escolha pela História do Brasil, área na
qual pesquiso desde o doutorado, iniciado há 10 anos. Depois, vem meu interesse
pela história sobre as fronteiras internas, a ocupação de terra e as relações
de trabalho em linhas gerais. Minha passagem pelo Ceará, como professora do
Departamento de História, aproximou-me com este episódio da história das
migrações cearenses, da ocupação da Amazônia e das políticas “colonizadoras” do
governo Vargas. O governo Vargas sempre é visto de uma perspectiva urbana. No
primeiro plano, aparecem os operários, que de fato foram os amparados pelas
leis trabalhistas. Como reconhecia um intelectual do governo, os trabalhadores
rurais estavam privados do “progresso dos operários das cidades do litoral”. A
legislação social, continuava ele, só poderia ter começado nos centros urbanos
para avançar nas esferas rurais em um momento posterior. Claro que o governo
Vargas não avançou nessa área e os trabalhadores rurais continuaram postergados,
salvo algumas exceções isoladas, como esta dos “soldados da borracha”, que
foram encaminhados para Amazônia de “papel passado”. Mas só isso.
No livro, a senhora afirma que os ´soldados da borracha´ não devem ser
tachados de vítimas, sob risco de entendermos mal este episódio. Como este
passado deve ser analisado? Quais os principais erros interpretativos cometidos
no que se refere à ´saga da borracha´?
Isto que eu digo para os “soldados da borracha” é
válido para muitos outros sujeitos sociais considerados por muito tempo como
“vitimas passivas”. Em geral, a passividade é a característica que mais tem
sido atribuída aos camponeses. No entanto, ao estudarmos, o que nós encontramos
são pessoas que fizeram escolhas. Escolhas dentro de um número limitado de opções,
mas escolhas. Ir para o Amazonas, para muitos deles, significou seguir uma saga
familiar, buscar oportunidades melhores, realizar um ato patriótico. Acredito
que o principal erro de todo o processo de recrutamento e encaminhamento dos
imigrantes esteve na apropriação que os seringalistas fizeram de uma política
de Estado. O fracasso, como em muitos outros casos de políticas públicas, se
deve à distância enorme entre as planificações (incluindo em muitos casos os
marcos legais criados especificamente) e a realidade na qual pensa-se em
“mexer”. Os trabalhadores enquadrados como ´soldados da borracha´ assinaram um
contrato que previa o amparo a suas famílias e a campanha de recrutamento dos
mesmos contou com um planejamento que implicava a criação de uma série de
organismos estatais, como a Superintendência de Abastecimento do Vale
Amazônico, o Banco de Crédito da Borracha, o próprio Serviço de Mobilização de
Trabalhadores para Amazonas (Semta)... Mas não se implementaram mecanismos de
fiscalização, nem se evitou que os grandes proprietários se “apropriassem”
destas políticas em beneficio próprio. As coisas fracassam não só por falta de
vontade política, embora este seja um elemento muito importante, mas pelas
resistências da classe proprietária - motivo pelo qual até hoje continua a
existir “trabalho escravo”.
Pouco antes da migração nordestina, o governo
Vargas manifestara interesse em promover a ocupação do Norte. Qual era seu
projeto para a Região e que interesses estavam articulados a esta iniciativa?
O governo Vargas incluía o Norte no seu programa de
colonização, de ocupação dos “espaços vazios” e da criação da pequena
propriedade. Todo o programa “Marcha para o Oeste” tinha por finalidade
expandir as fronteiras internas e, portanto, criar mercado e deter as migrações
entre os sertões e os grandes centros urbanos do litoral – movimento que os
intelectuais do governo consideravam contrário “à natureza” histórica do
Brasil. Com respeito ao Norte, Vargas dizia que seus habitantes seriam
“incorporados ao corpo da nação”, sendo necessário adensar o povoamento,
incrementar o rendimento agrícola, aparelhar os transportes. Até o momento,
segundo Vargas, o caluniado clima amazônico tinha impedido que partissem
contingentes humanos de outras regiões com excesso demográfico. Somente o
nordestino, com o seu “instinto de pioneiro”, poderia se embrenhar pela
floresta, abrindo trilhas de penetração e talhando a seringueira silvestre.
No que se refere à ´saga da borracha´, quais as estatísticas mais próximas
da realidade? Quantos sertanejos partiram? Quais localidades forneceram os
maiores contingentes? Como era feita a viagem? Quantos sertanejos morreram e
quais as condições de sepultamento?
São muitas perguntas, algumas têm respostas e
outras não. Ou pelo menos as respostas não são tão precisas como gostaríamos. O
escândalo dos “soldados da borracha” explodiu quando deixou de ser paga a
assistência às famílias, coincidindo com a cobertura dada pela imprensa
internacional. Alguns jornais franceses relatam que 25 mil homens tinham sumido
na floresta. Levada a debate na Assembléia Constituinte a gravidade da situação
criada pela batalha da borracha, foi formada uma CPI que trabalhou entre os meses
de julho e setembro de 1946, reunindo documentos e tomando depoimentos dos
funcionários vinculados ao DNI, Semta, Caeta, Banco do Brasil, Banco de Crédito
da Borracha, do Instituto Agronômico do Norte... Os depoimentos dados à
“Comissão de Inquérito da Campanha da Borracha” deixaram transparecer problemas
políticos e até pessoais entre os depoentes. Mas, mais importante que isto,
trouxeram à luz o verdadeiro desastre que foi a campanha. As denúncias eram
muitas: os trabalhadores que voltavam dos seringais diziam que eram
maltratados, ameaçados pelos capangas, que a carne podre era vendida cara, que
remédios lhes eram negados... Outros documentos informam que o transporte dos
trabalhadores era realizado em condições deploráveis, que se produziu pouca
borracha e se adulteraram as estatísticas. O relatório da CPI impunha com
urgência o amparo imediato aos “soldados da borracha” e às famílias que haviam
ficado no Nordeste. Sobre as estatísticas, a antropóloga Lúcia Arraias Morales
fala da “batalha dos números”. Depois de reconhecido o desastre, os
funcionários do governo tenderam a diminuir as cifras enquanto os denunciadores
a aumentar. As diferenças são grandes. Os primeiros afirmam ter sido
encaminhado 34,4 mil e os outros 54,4 mil entre trabalhadores e dependentes. A
própria CPI não conseguiu chegar a uma conclusão a este respeito. Porém, um dos
grandes problemas, tanto para a pesquisa realizada pela CPI como para as
próprias famílias dos trabalhadores, foi saber qual tinha sido o destino final
de cada um dos trabalhadores, razão pela qual também é muito difícil responder
quantos morreram, as circunstâncias de sua morte e posterior sepultamento. No
entanto, é importante ressaltar que o povoamento da região amazônica por
nordestinos é anterior ao governo Vargas.
Em que sentido, a propaganda estatal foi
responsável pela mobilização dos trabalhadores nordestinos? Que valores e
ideologias eram enaltecidos nesta publicidade?
O apelo era muito evidente. E isto foi enfatizado pelas mulheres dos
“soldados”, quando reclamavam pela manutenção da assistência às famílias ou por
ter notícias de seus maridos. Para este livro, trabalhei com cartas que estas
mulheres escreveram a seus maridos ou que enviaram a Getúlio Vargas. O grupo
que escreveu ao Presidente diz a este que seus maridos “viajaram para Amazônia,
com esperanças de serem bem sucedidos e de prestarem relevante serviço à pátria
no combate ao inimigo comum, produzindo borracha para a vitoria das nações
unidas”. Exatamente as frases utilizadas na propaganda de recrutamento. Mas eu
acho que nada é mais eloqüente do que a própria cartilha entregue aos
“candidatos” a “soldados da borracha”: “O APELO DA PÁTRIA. Tão grande se
apresenta a necessidade de respondermos ao chamado da pátria, que todos nós,
todos sem exceção de um só, temos de oferecer a nossa quota de sacrifício, que
é glória, para a vitória final. SOLDADO DA BORRACHA, HERÓI DA AMAZÔNIA. Mas não
só pelas armas podemos e devemos concorrer para o triunfo completo da liberdade
humana. Ao Nordestino, ao nosso trabalhador do campo, cabe uma tarefa tão
importante como a do manejo das metralhadoras nas frentes sangrentas de
batalha: impõe-se-lhe o dever de lutar pacificamente na retaguarda, dentro do
seu próprio país, nas terras abençoadas da Amazônia, extraindo borracha –
produto indispensável para a vitória, como a bala e o fuzil”.
Como era o cotidiano do trabalhador nos seringais,
em termos de jornadas e salários? Quais as condições médicas e de moradia?
O cotidiano do trabalhador no seringal não tinha
mudado com respeito ao período anterior. Refiro-me ao período do “boom” da
borracha, quando escritores como o português Ferreira da Silva, autor de “A
Selva” (1930), ou o colombiano José Eustasio Riveira, autor de “A vorágine”
(1924), escreveram denunciando a situação dos trabalhadores na exploração da
borracha. As condições de moradia eram muito precárias, cada trabalhador
“arrumava-se” numa palhoça, na qual muitas vezes também fazia o processo de
defumação da borracha. O dia começava muito cedo e o trabalhador percorria sua
estrada. Uma estrada é o conjunto de 100 a 150 seringueiras a ser entalhada por
dia. Lembremos que a seringa, como se encontra na Amazônia naturalmente, se dá
entre outras espécies. Assim uma estrada é a linha imaginária que une esse
conjunto de seringueiras. Na ida, o trabalhador a percorre fazendo o corte e
colocando o recipiente em que cairá o látex. O sistema de pagamento do
trabalhador era feito por produto entregue no abarracamento. Em síntese, o
trabalhador estava sempre endividado com o patrão. Este lhe tomava a borracha a
um preço baixo e vendia os mantimentos, instrumentos de trabalhos, e demais
insumos a preços altos, estabelecendo a obrigatoriedade deste comércio desleal.
O trabalhador não podia abandonar o seringal até pagar sua dívida, que nunca
conseguia saldar porque o patrão se encarregava de que assim o fosse. Este
sistema de trabalho que é recorrente em toda a zona seringueira chama-se
trabalho por dívida, é uma das formas do trabalho forçado, ainda existente e
penalizada por lei. Desejo finalizar a entrevista com um agradecimento. Como
disse, fui professora da UFC e gostaria de destacar àqueles que colaboraram de
alguma forma com esta pesquisa. Uma boa parte da documentação é parte do acervo
do Museu de Arte da UFC. Por isto, agradeço a seu diretor Pedro Eymar. Também
gostaria de agradecer a meus colegas de Departamento, que escutaram com
paciência cada avanço na pesquisa; e, por último, a meus alunos do curso de
História, cujo entusiasmo contagiante foi um grande incentivo.
LAÉCIO RICARDO Repórter
FIQUE POR DENTRO
O Brasil como objeto de estudo. Nascida na
Argentina, em Necochea, interior da província de Buenos Aires, María Verónica
Secreto é graduada em História pela Universidade Mar del Plata, estabelecimento
onde também iniciou sua experiência como docente. O interesse pela trajetória e
formação social do Brasil lhe levou a migrar para o país vizinho. Doutora em
História Econômica pela Universidade de Campinas (Unicamp), María Verónica
Secreto atualmente é professora do Departamento de Desenvolvimento, Agricultura
e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Entre 2002
e 2004, foi docente da UFC. A passagem pelo Ceará lhe chamou a atenção para a
triste saga dos nordestinos nos seringais do Norte, episódio polêmico da
história das migrações cearenses, vinculado aos esforços para a ocupação da
Amazônia, em especial as políticas promovidas pelo governo Vargas. A pesquisa
resultou no livro ´Soldados da Borracha´, publicado pela Fundação Perseu
Abramo.
A guerra da borracha
Entrevista com
María Verónica Secreto de Ferreras historiadora, doutora em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas e autora do livro
Soldados da Borracha: trabalhadores entre o sertão e a Amazônia no governo
Vargas, da Fundação Perse
Publicado em 27/12/2008 | Pollianna
Milan
Parece estranho pensar que os
seringueiros que trabalharam na Amazônia, durante a extração da borracha,
tiveram uma missão tão importante como os soldados que participaram das duas
Grandes Guerras mundiais. Mas foi o que aconteceu. O alinhamento do Brasil com
os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, em 1942, transformou a
Amazônia em um verdadeiro campo de batalha. Era preciso explorar intensamente o
recurso disponível para que o Brasil pudesse fornecer a quantidade de borracha
necessária aos americanos, que pulou de 16 quilos por pessoa na Primeira Guerra
para 98 na Segunda.
Getúlio Vargas, o
presidente da República, lançou até uma campanha: “Mais borracha em menos
tempo”. A Amazônia era uma região ainda despovoada e de difícil acesso, por
isso a solução encontrada foi literalmente recrutar pessoas, nesse caso os
nordestinos, para garantir a mão-de-obra necessária. Mais de 30 mil homens
atenderam ao pedido de Vargas para contribuir com o esforço de guerra. Esses
trabalhadores foram chamados de “soldados da borracha.” Em entrevista à Gazeta
do Povo, a historiadora María Verónica Secreto de Ferreras explica como foi
esse período no Brasil.
Durante a “guerra da borracha”, os seringueiros ficavam em “pousadas”
especiais. Na foto, o Pouso do Prado
Em que momento os
seringueiros foram vistos como soldados de guerra?
A documentação
oficial, como o contrato de encaminhamento ou o regulamento do Semta (Serviço
Especial de Mobilização de Trabalhadores para Amazônia), se refere ao
trabalhador mobilizado. Mas o material de propaganda, como o folheto “Rumo à
Amazônia”, destinado a motivar trabalhadores para se apresentarem como
voluntários, fala em “soldados da borracha”. Durante a campanha foram muito
utilizadas metáforas bélicas. Entre elas, uma cartilha que dizia: “Soldado da
Borracha, herói da Amazônia. Mas não só pelas armas podemos e devemos concorrer
para o triunfo completo da liberdade humana. Ao Nordestino, ao nosso
trabalhador do campo, cabe uma tarefa tão importante como a do manejo das
metralhadoras nas frentes sangrentas de batalha (...) extraindo borracha.”
Enquanto os homens
iam trabalhar na extração do látex, onde ficavam as mulheres? Elas assumiam a
família? Qual era a situação delas?
Os trabalhadores
tinham a opção de escolher diferentes formas de assistência a sua família. Um
carimbo na margem esquerda do contrato identificava o tipo de proteção pela
qual cada trabalhador tinha optado. Poderia ser uma assistência que teria
duração no período de vigência do contrato. Os dependentes e mulheres também
tinham o direito de ficar sob a responsabilidade do próprio trabalhador: nesse
caso, as mulheres e crianças moravam em palhoças rústicas e dormiam em redes.
Um conjunto de cartas, atualmente reunidas no Museu de Arte da Universidade do
Ceará (Mauc), permite conhecer as condições de vida nesses alojamentos. “Já
botaram inquisição por causa do fumo”, queixa-se Elcídia Galvão em carta ao
marido, dizendo preferir ser “enxotada” a abrir mão do cigarro – pois fumar e
chorar eram seus únicos confortos.
Em que contexto
histórico mundial aconteceu a guerra da borracha?
O bombardeio
japonês a Pearl Harbour, em dezembro de 1941, pôs fim à ambigüidade da política
externa do governo de Getúlio Vargas e, de alguma forma, condicionou a política
interna a respeito da Amazônia. O ingresso dos Estados Unidos na guerra exigiu
uma posição clara das nações americanas. O domínio japonês das ilhas do
Pacífico cortou o fornecimento de borracha e, com isso, foi necessário definir
a política econômica dos países do continente que passaram a abastecer as
nações aliadas com matérias-primas. Em março de 1942, o Brasil assinou, em
Washington, uma série de acordos sobre matérias-primas estratégicas, entre as
quais a borracha.
Quem eram esses
homens que foram participar da campanha de extração da borracha na Amazônia?
O recrutamento de
trabalhadores teve sua sede em Fortaleza, já que o “público-alvo” da campanha
eram os nordestinos que já tinham uma tradição na migração e povoamento da
Amazônia.
Houve muitas
mortes?
O número de mortos,
como o de recrutados, não é exato. Sabe-se que a campanha, no seu conjunto, foi
um desastre. Logo se começou a receber notícias de que milhares de
trabalhadores tinham desaparecido. As famílias não tinham notícias deles e os
órgãos do Estado não sabiam do paradeiro dos trabalhadores.
Como eram as
condições de trabalho e de vida dos seringueiros?
O seringueiro
comprometia-se a trabalhar seis dias por semana, quer na época apropriada à
extração do látex, quer no período de entressafras. Toda a borracha produzida
deveria ser entregue ao seringalista. Da borracha produzida pelo seringueiro,
seriam-lhe creditados no mínimo 60% sobre o preço oficial que vigorava nas
praças de Manaus e Belém. O seringueiro também teria direito aos animais
abatidos e poderia cultivar um hectare de terra, livre de qualquer ônus.
Os acordos de
trabalho deram certo?
Foi um contrato
“para inglês ver” ou, neste caso, para americano ver. Uma vez que o trabalhador
ingressava no seringal, era impossível fiscalizar.
Como a senhora teve
acesso às cartas das mulheres dos seringueiros?
Entre os materiais
pertencentes ao corpus documental “Regina Frota”, depositado no Museu de Arte
da Universidade do Ceará, encontramos um conjunto de cartas escritas pelos
soldados e por suas esposas. As cartas dos maridos foram enviadas de diferentes
pontos da Amazônia e chegaram, mais precisamente, ao destino de Regina Frota,
porque estavam endereçadas a ela. Antes de partir, esses maridos tinham
combinado de confiar a ela as cartas. Já as cartas das mulheres não chegaram ao
destino. Acredita-se que nunca foram enviadas por causa do conteúdo delas. O
tom das cartas dá um indício forte sobre os motivos de sua “retenção”. Mas
também podemos salientar a dificuldade de se conseguir o endereço para
enviá-las.
O que foi a CPI da
borracha? Qual foi o resultado dela?
Por causa da grave situação criada pela batalha da borracha, o caso foi
levado a debate na Assembléia Constituinte. Foi formada uma CPI que trabalhou
entre os meses de julho e setembro de 1946, juntando documentos e tomando
depoimentos dos funcionários. Os depoimentos deixam transparecer problemas
políticos e até pessoais entre os depoentes. Alguns tinham consciência das
conseqüências sociais da introdução dos “migrantes nordestinos” nos seringais.
Outros depunham que o transporte dos trabalhadores era realizado em condições
deploráveis, que se desperdiçava dinheiro e comida jogando ao rio alimentos em
mau estado. O relatório da CPI concluía que se impunha com urgência o amparo
imediato aos soldados da borracha e às famílias. Os soldados tiveram de brigar
durante décadas para receber seus direitos. Somente em 1988 eles começaram a
ganhar uma pensão vitalícia.