soldados da borracha

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Soldados da Borracha: Gladson pede apoio ao líder do governo na votação da CCJ do Senado

Soldados da Borracha: Gladson pede apoio ao líder do governo na votação da CCJ do Senado


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Cameli elogiou o relatório apresentado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)


O deputado federal Gladson Cameli (PP/AC) se posicionou novamente nesta quinta-feira (20) sobre o Projeto de Emenda à Constitucional (PEC dos Soldados da Borracha) afirmando que é necessário que o Senado Federal corrija as distorções apresentadas no texto original.

Ainda em 2013, o parlamentar entrou em contato com o líder do Governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), para alertar das distorções no texto aprovado na Câmara dos Deputados, solicitando o apoio na votação urgente da matéria, haja vista a morosidade e o tempo em que os "heróis da pátria" aguardam pela conclusão no Congresso Nacional.

Cameli elogiou o relatório apresentado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) publicado na última quarta-feira (19), que propõe que a pensão mensal vitalícia dos Soldados da Borracha seja fixada em R$ 3.789, sendo corrigido pelos mesmos índices aplicados aos benefícios de prestação continuada mantidos pela Previdência Social.

"Tenho reforçado a necessidade imediata de aprovação da PEC dos Soldados da Borracha, fazendo justiça e contemplando verdadeiramente estes combatentes e suas famílias. Continuaremos unidos neste desafio de encontrar uma solução justa e definitiva para este caso'', disse Cameli.

O valor de R$ 25 mil, em parcela única, sem incidência de tributo, a título de compensação por diferenças devidas anteriormente, é um dos principais pontos da proposta, e Cameli garante que continuará trabalhando em favor da causa dos Soldados da Borracha.

A proposta será votada pela CCJ na próxima semana e por fim no plenário do Senado.

Teor do parecer do Senador Aníbal Diniz

 Este é o teor do parecer proposto pelo Senador Aníbal Diniz do Acre. Por favor, precisamos da sua ajuda. Entre em contato com os senadores do seu Estado, através de email ou carta, pedindo a aprovação deste documento em seu inteiro teor. Acreditamos que só desta forma faremos justiça, mesmo que tardia, a muitos soldados da borracha vivos!



PARECER Nº        , DE 2014
Da COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA, sobre a Proposta de Emenda à Constituição nº 61, de 2013 (nº 346, de 2013, na Câmara dos Deputados), primeiro signatário o Deputado Arlindo Chinaglia, que dá nova redação ao “caput” do art. 54 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e acrescenta art. 54-A a este Ato.

RELATOR: Senador ANÍBAL DINIZ

I – RELATÓRIO
Vem à análise desta Comissão a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 61, de 2013, (nº 346, de 2013, na Câmara dos Deputados), de autoria do ilustre Deputado ARLINDO CHINAGLIA e outros Senhores Deputados, que dá nova redação ao “caput” do art. 54 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e acrescenta art. 54-A a este Ato.

Essencialmente, a proposição tem dois objetivos.
Em primeiro lugar, altera o caput do art. 54 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que garantiu aos seringueiros recrutados nos termos do Decreto-Lei nº 5.813, de 14 de setembro de 1943, que trabalharam durante a Segunda Guerra Mundial nos seringais da Região Amazônica – os chamadosSoldados da Borracha –, o direito à percepção de pensão mensal vitalícia equivalente a dois salários mínimos, para fixar essa pensão no valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), reajustado nas mesmas datas e segundo os mesmos índices aplicados aos benefícios de prestação continuada mantidos pela Previdência Social.

Ademais, a PEC concede a esses brasileiros uma indenização, em parcela única, no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), que será estendida aos dependentes dos seringueiros que, na data de entrada em vigor da Emenda Constitucional que resultar da proposição, detenham essa condição, na forma do § 2º do art. 54 do ADCT.

Finalmente, estabelece que a Emenda Constitucional que resultar da proposta entrará em vigor no exercício financeiro subseqüente ao da sua promulgação.

No dia 5 de dezembro de 2013, esta Comissão realizou audiência pública destinada à instrução da matéria, conforme Requerimento nº 76, de 2013-CCJ, de nossa iniciativa, com a presença dos seguintes convidados: Ivo da Motta Azevêdo Corrêa, Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, representante da Ministra Gleisi Helena Hoffmann, Ministra-Chefe da Casa Civil; Rogério Nagamine Costanzi, Diretor do Departamento de Regime Geral de Previdência do Ministério da Previdência Social, representante do Sr. Carlos Eduardo Gabas, Secretário-Executivo do Ministério da Previdência Social; Antonio Augusto Souza Dias, Diretor Jurídico e Advogado do Sindicato dos Soldados da Borracha e Seringueiros do Estado de Rondônia (SINDSBOR), representante do Sr. José Romão Grande, Presidente do SINDSBOR; Francisco Luziel Cunha de Carvalho, Assistente Social do Sindicato dos Aposentados, Pensionistas e Soldados da Borracha do Estado do Acre – SIACRE e representante da Sra. Iracema Cunha de Carvalho, Presidente do SIACRE; Euclides Maciel, Deputado Estadual da Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia. Justificou ausência a Sra. Miriam Belchior, Ministra do Planejamento, Orçamento e Gestão. Fizeram uso da palavra o Senhor Dário Pereira Braga, Assessor de Imprensa do SINDSBOR; o Senhor José Soares, Seringueiro e Soldado da Borracha; e o Senhor George Telles, Vice-Presidente do SINDSBOR.
A proposição não recebeu emendas.

II – ANÁLISE
Compete a esta Comissão, conforme o art. 356 do Regimento Interno do Senado Federal (RISF), proceder à análise da proposição quanto à sua admissibilidade e mérito.

Quanto à admissibilidade, a PEC nº 61, de 2013, preenche o requisito do art. 60, I, da nossa Carta Magna, tendo iniciado a sua tramitação na Câmara dos Deputados, onde subscrita por mais de um terço dos membros daquela Casa.
No tocante às limitações temporais, nada obsta a apreciação da matéria, uma vez que o País não se encontra na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. Ademais, a proposta não trata de matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada na atual sessão legislativa nem atinge as chamadas cláusulas pétreas.

Está, assim, atendido o disposto no art. 60, I, e §§ 1º, 4º e 5º da Constituição, e nos arts. 354, §§ 1º e 2º, e 373 do RISF.

Também, não incorre a PEC na proibição prevista no art. 371 do RISF, em razão de a proposta não visar à alteração de dispositivos sem correlação entre si.

No tocante ao mérito, entretanto, parece-nos que a proposição deve ser aperfeiçoada, como ficou claro nos debates ocorridos na audiência pública realizada por esta Comissão.

Efetivamente, a Constituição de 1988 reconheceu a importância dos seringueiros que participaram do esforço de guerra durante a Segunda Guerra Mundial, ao instituir, no art. 54 do ADCT, pensão especial para esses bravos brasileiros.

Buscava-se, ali, um tratamento isonômico entre eles e os ex-combatentes que também atuaram naquele conflito.

Dentro desse quadro, enquanto esses últimos, além de vários outros direitos, tiveram assegurada pensão equivalente à deixada por Segundo-Tenente das Forças Armadas, aos seringueiros foi deferido exclusivamente benefício no valor de dois salários mínimos.

Com o tempo, a situação dos dois grupos acabou se distanciando exageradamente e, hoje, a condição dosSoldados da Borracha, um pequeno grupo de respeitáveis octogenários e nonagenários, é bastante precária.

Impõe-se, assim, como dever de justiça, buscar minorar os problemas vividos por aqueles que, com grande sacrifício pessoal, trabalhando sob as mais difíceis condições, deram um esforço gigantesco para a derrota do nazifascismo, garantindo às forças aliadas o fornecimento de uma das mais importantes matérias-primas no esforço de guerra, a borracha.

Várias tentativas foram feitas nessa direção, no decorrer do longo debate sobre a PEC nº 556, de 2002, da Câmara dos Deputados, que acabou resultando na aprovação da PEC sob exame.

Inicialmente, na forma do texto original, de autoria da então Deputada e hoje ilustre Senadora Vanessa Grazziotin, tentou-se a isonomia com a pensão paga aos demais ex-combatentes – equivalente à deixada por Segundo-Tenente das Forças Armadas, como já se afirmou. Posteriormente, no parecer da eminente Deputada Perpétua Almeida, buscou-se a fixação em sete salários mínimos do valor devido aos Soldados da Borracha.

Ambos os valores, entretanto, acabaram sofrendo restrições, pelo seu impacto.

A solução encontrada, no entanto, mostra-se totalmente insatisfatória e tende, mesmo, a ser inaceitável.

De fato, tendo em vista que a proposta prevê a sua entrada em vigor somente no exercício financeiro subsequente ao da promulgação do diploma legal que dela se originar, ela implicaria, no caso de promulgada neste ano de 2014, que a pensão dos Soldados da Borracha fosse fixada em R$ 1.500,00 para o ano de 2015, quando o seu valor atual, de dois salários mínimos, equivalerão a algo entre R$ 1.550,00 e R$ 1.570,00, conforme determina a Lei nº 12.382, de 25 de fevereiro de 2011, que dispõe sobre o valor do salário mínimo em 2011 e a sua política de valorização de longo prazo; disciplina a representação fiscal para fins penais nos casos em que houve parcelamento do crédito tributário; altera a Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996; e revoga a Lei nº 12.255, de 15 de junho de 2010.

Ou seja, a aprovação da PEC, como está, representaria não um aumento, mas sim uma redução de cinquenta a setenta reais.

Impõe-se, então, buscar um valor razoável para a pensão dos Soldados da Borracha que não comprometa o Tesouro Nacional, mas que permita fazer justiça com eles.

Para tal, estamos propondo que a pensão seja fixada em valor equivalente à de Primeiro-Sargento das Forças Armadas, que é a segunda mais elevada graduação das praças, nível da carreira militar totalmente compatível com o papel desempenhado pelos Soldados da Borracha, ainda que, certamente, abaixo do enorme sacrifício que fizeram. Esse valor equivale, em março de 2014, a R$ 3.789,00 (três mil, setecentos e oitenta e nove reais).

De outra parte, no tocante à previsão da indenização, cabe, tão-somente, promover ajuste na denominação da parcela, uma vez que não se trata de uma indenização, em sentido estrito, mas de uma compensação por diferenças devidas anteriormente.

Assim, propomos a aprovação da matéria, na forma de substitutivo que promove as alterações acima referidas, além de ajustes na ementa e na redação da proposta, para fazer algumas correções técnicas.

Temos a certeza de que, com essa iniciativa, iremos fazer justiça com os soldados da borracha, em tempo hábil para que possam receber do povo brasileiro um pouco daquilo que merecem.

III – VOTO
Ante o exposto, opinamos pela constitucionalidade e juridicidade da matéria e, no mérito, votamos pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 61, de 2013, na forma da seguinte emenda substitutiva:
EMENDA Nº        – CCJ (SUBSTITUTIVO)
PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 61, DE 2013.

Dá nova redação ao caput do art. 54 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para alterar o valor da pensão especial dos seringueiros recrutados para participar do esforço de guerra durante a Segunda Guerra Mundial, e dá outras providências.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:

Art. 1º O caput do art. 54 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 54. Os seringueiros recrutados nos termos do Decreto-Lei nº 5.813, de 14 de setembro de 1943, e amparados pelo disposto no Decreto-Lei nº 9.882, de 16 de setembro de 1946, receberão, quando carentes, pensão mensal vitalícia no valor de R$ 3.789,00 (três mil, setecentos e oitenta e nove reais), reajustado, a partir de 1º de março de 2014, nas mesmas datas e segundo os mesmos índices aplicados aos benefícios de prestação continuada mantidos pela Previdência Social.
.................................................................................. ”(NR)

Art. 2º Será pago aos seringueiros de que trata o art. 54 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias o valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), em parcela única, e sobre o qual não incidirá nenhum tributo.
Parágrafo único. O pagamento de que trata o caput somente se estende aos dependentes dos seringueiros que, na data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, detenham a condição de dependentes, na forma do § 2º do art. 54 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, devendo o valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) ser rateado entre os pensionistas na proporção de sua cota-parte na pensão.

Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor no exercício financeiro seguinte ao da sua promulgação.
Sala da Comissão,
, Presidente
, Relator

Notícia: Aníbal Diniz conclama para votação da PEC dos soldados da borracha


Aníbal Diniz conclama para votação da PEC dos soldados da borracha

 

Retirado do site do Senador

http://www.anibaldiniz.com.br/index.php/imprensa/noticias/2265-anibal-diniz-conclama-para-votacao-da-pec-dos-soldados-da-borracha.html

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O senador Aníbal Diniz (PT-AC) fez nesta quinta-feira (20) um apelo aos senadores da região amazônica presentes à reunião da Comissão de Relações Exteriores para que votem com rapidez seu relatório à Proposta de Emenda à Constituição que trata do benefício devido aos Soldados da Borracha (PEC 61/2013).

A intenção do senador é votar a matéria na próxima quarta-feira (26), na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). "Faço um apelo para que possamos estar juntos na próxima quarta-feira para apreciar essa matéria. O relatório não é exatamente o que pretendia o governo, mas é necessário fazermos dessa forma para beneficiar os solados da borracha", disse.

Relatório – No relatório, Aníbal Diniz propõe que a pensão mensal vitalícia aos soldados da borracha seja fixada em valor equivalente à de primeiro-sargento das Forças Armadas, que é a segunda mais elevada graduação das praças. Esse valor equivale, em março de 2014, a R$ 3.789,00 e será corrigido pelos mesmos índices aplicados aos benefícios de prestação continuada mantidos pela Previdência Social. A proposta do governo prevê um benefício no valor de R$ 1,5 mil. Hoje os soldados da borracha recebem benefício no valor de dois salário mínimos.

O senador também propõe que os soldados da borracha recebam o valor de R$ 25 mil, em parcela única, sem incidência de tributo, a título de compensação por diferenças devidas anteriormente. O apelo do senador foi dirigido especialmente aos senadores Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR).

O apelo foi elogiado pela senadora Vanessa Grazziotin. "Considero muito oportuna essa intervenção do senador Aníbal porque os soldados da borracha foram recrutados para expandir a produção de borracha num momento da segunda guerra mundial e não podemos permitir que, no espaço visível, eles tenham perdas financeiras. Por isso queria registrar o importante trabalho que o senador Aníbal está fazendo nesse sentido", afirmou.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Batalha da Borracha: Uma guerra sem vencedores



Batalha da Borracha:
Uma guerra sem vencedores.
Por Marcos Vinicius Neves
Os insuspeitos perigos da guerra
A segunda grande guerra mundial, em fins de 1941, estava tomando rumos muito perigosos. Além de não conseguir conter a ofensiva alemã, os paises aliados viam o esforço de guerra consumir rapidamente seus estoques de matérias primas estratégicas. E nenhuma situação era mais preocupante do que a da borracha, cujas reservas estavam tão baixas que o governo americano se viu obrigado a tomar uma série de duras medidas internas. Toda a borracha disponível deveria ser utilizada somente pela maquina de guerra.
A entrada do Japão no conflito, a partir do ataque de Pearl Harbour, impôs o bloqueio definitivo dos produtores de borracha. Já no principio de 1942 o Japão controlava mais de 97% das regiões produtoras asiáticas, tornando critica a disponibilidade da borracha para a indústria bélica dos aliados.
Por estranho que possa parecer foi essa seqüência de acontecimentos, ocorridos em sua maioria no hemisfério norte ou do outro lado do Oceano Pacífico, que deu origem no Brasil à quase desconhecida Batalha da Borracha. Uma história de imensos sacrifícios para milhares de brasileiros mandados para os seringais amazônicos em nome da grande guerra que conflagrava o mundo civilizado. Um capítulo obscuro e sem glórias de nossa história que só permanece vivo na memória e no abandono dos últimos soldados da borracha.
Os Acordos de Washington
Quando a extensão da guerra ao Pacífico e ao Indico, interrompeu o fornecimento da borracha asiática as autoridades norte-americanas entraram em pânico. O Presidente Roosevelt nomeou uma comissão para estudar a situação dos estoques de matérias-primas essenciais para a guerra. E os resultados obtidos por essa comissão foram alarmantes: “De todos os materiais críticos e estratégicos, a borracha é aquele que apresenta a maior ameaça à segurança de nossa nação e ao êxito da causa aliada (...) Consideramos a situação presente tão perigosa que, se não se tomarem medidas corretivas imediatas, este país entrará em colapso civil e militar. A crueza dos fatos é advertência que não pode ser ignorada” (Comissão Baruch).
As atenções do governo americano se voltaram então para a Amazônia, grande reservatório natural de borracha, com cerca de 300.000.000 de seringueiras prontas para a produção de 800.000 toneladas de borracha anuais, mais que o dobro das necessidades americanas. Entretanto, nessa época, só havia na região cerca de 35.000 seringueiros em atividade com uma produção de 16.000-17.000 toneladas na safra de 1940-41. Seriam necessários, pelo menos, mais 100.000 trabalhadores para reativar a produção amazônica e eleva-la ao nível de 70.000 toneladas anuais no menor espaço de tempo possível.
Para alcançar esse objetivo ocorreram intensas negociações entre autoridades brasileiras e norte-americanas que culminaram com a assinatura dos Acordos de Washinton. Ficou acertado então que o governo americano passaria a investir fortemente no financiamento da produção de borracha amazônica, enquanto ao governo brasileiro caberia o encaminhamento de milhares de trabalhadores para os seringais, no que passou a ser tratado como um heróico esforço de guerra. Tudo ótimo enquanto as coisas estavam no papel, mas muito complicadas quando chegou a hora de pô-las em prática.
A Batalha da Borracha
Para o governo brasileiro era juntar a fome com a vontade de comer, literalmente. Somente em Fortaleza cerca de 30.000 flagelados da seca de 41-42 estavam disponíveis para serem enviados imediatamente para os seringais. Mesmo que de forma pouco organizada o DNI (Departamento Nacional de Imigração) ainda conseguiu enviar para a Amazônia, durante o ano de 1942, quase 15.000 pessoas, sendo a metade de homens aptos ao trabalho.
Eram os primeiros soldados da borracha. Simples retirantes que se amontoavam com suas famílias por todo o nordeste fugindo de uma seca que teimava em não se acabar. O que era, evidentemente, muito pouco diante das pretensões norte-americanas.
O problema era a baixa capacidade de transporte das empresas de navegação dos rios amazônicos e a pouca disponibilidade de alojamento para os trabalhadores em transito. Mesmo com o fornecimento de passagens do Loyd, com a abertura de créditos especiais pelo governo brasileiro e com a promessa do governo americano de pagar U$ 100 por cada novo trabalhador instalado no seringal as dificuldades eram imensas e pareciam intransponíveis. Isso só começou a ser solucionado em 1943 através do investimento maciço que os americanos fizeram na SNAPP (Serviço de Navegação e Administração dos Portos do Pará) e da construção de alojamentos espalhados ao longo do trajeto a ser percorrido pelos soldados da borracha.
Para acelerar ainda mais a transferência de trabalhadores para a Amazônia e aumentar significativamente sua produção de borracha os governos norte-americano e brasileiro encarregaram diversos órgãos da realização da “Batalha da Borracha”. Pelo lado americano estavam envolvidas a RDC (Rubber Development Corporation), a Board of Economic Warfare, a RRC (Rubber Reserve Company), a Reconstruccion Finance Corporation e a Defense Supllies Corporation. Enquanto que pelo lado brasileiro foram criados o SEMTA (Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia), depois substituída pela CAETA (Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia), a SAVA (Superintendência do Abastecimento do Vale Amazônico) e o BCB (Banco de Crédito da Borracha), entre outros.
Esses novos órgãos, em muitos casos, se sobrepunham a outros já existentes como o DNI e não precisamos de muito esforço para imaginar o tamanho da confusão oficial que se tornou essa tal Batalha da Borracha.
A ilusão do paraíso
Em todas as regiões do Brasil aliciadores tratavam de convencer trabalhadores a se alistar como soldados da borracha para auxiliar na vitória aliada. Alistamento, recrutamento, voluntários, soldados, esforço de guerra, se tornaram termos comuns no cotidiano popular. A mobilização de trabalhadores para a Amazônia realizada pelo Estado Novo foi revestida por toda a força simbólica e coercitiva que os tempos de guerra possibilitavam.
No nordeste, de onde deveria sair o maior numero de soldados, o SEMTA convocou padres, médicos e professores para o recrutamento de todos os homens aptos ao esforço de guerra que tinha que ser empreendido nas florestas amazônicas. O artista suíço Chabloz foi contratado para produzir material de divulgação acerca da “realidade” que os esperava. Nos cartazes coloridos os seringueiros apareciam recolhendo baldes de látex que escorria como água de grossas seringueiras. Todo o caminho que levava do sertão nordestino, seco e amarelo, ao paraíso verde e úmido da Amazônia estava retratado naqueles cartazes repletos de palavras fortes e otimistas. O bordão “Borracha para a Vitória” tornou-se o emblema da mobilização realizada por todo o nordeste.
Histórias de enriquecimento fácil circulavam de boca em boca. “Na Amazônia se junta dinheiro com rodo”. Os velhos mitos do Eldorado amazônico voltavam a ganhar força no imaginário popular. O paraíso perdido, a terra da fartura e da promissão, onde a floresta era sempre verde e a seca desconhecida. Os cartazes mostravam caminhões carregando toneladas de borracha colhidas com fartura pelos trabalhadores. Imagens coletadas por Chabloz nas plantações da Firestone na Malásia, sem nenhuma conexão com a realidade que esperava os trabalhadores nos seringais amazônicos. Mas, perder o que? Afinal de contas - espalhadas pelas esquinas, nas paredes das casas e nos bares - a colorida propaganda oficial garantia que todos os trabalhadores teriam passagem grátis e seriam protegidos pelo SEMTA.
Quando nem todas as promessas e quimeras funcionavam, sempre restava o bom e velho recrutamento forçado de jovens. A muitas famílias do sertão nordestino foram dadas somente duas opções: ou seus filhos partiam para os seringais como soldados da borracha ou então deveriam seguir para o front lutar contra os italianos e alemães. Muitos preferiram a Amazônia.
Os caminhos da guerra
Ao chegar aos alojamentos organizados pelo SEMTA o trabalhador recebia um chapéu, um par de alparcatas, uma blusa de morim branco, uma calça de mescla azul, uma caneca, um talher, um prato, uma rede, cigarros, um salário de meio dólar por dia e a expectativa de logo embarcar para a Amazônia. Os navios do Loyd saiam dos portos nordestinos abarrotados de homens, mulheres e crianças de todas as partes do Brasil. Primeiro rumo ao Maranhão e depois para Belém, Manaus, Rio Branco e outras cidades menores onde as turmas de trabalhadores seriam entregues aos “patrões” (seringalistas) que deveriam conduzi-los até os seringais onde, finalmente, poderiam cumprir seu dever para com a Pátria.
Aparentemente tudo muito organizado. Pelo menos frente aos olhos dos americanos que estavam nos fornecendo centenas de embarcações e caminhões, toneladas de suprimentos e muito, muito, dinheiro. Tanto dinheiro que dava pra desperdiçar em mais propaganda, em erros administrativos que faziam uma pequena cidade do sertão nordestino ser inundada por um enorme carregamento de café solicitado não se sabe por quem, ou no sumiço de mais de 1.500 mulas entre São Paulo e o Acre.
Na verdade, o caminho até o eldorado amazônico era muito mais longo e difícil do que poderiam imaginar tanto americanos quanto soldados da borracha. A começar pelo medo do ataque dos submarinos alemães que se espalhava entre as famílias amontoadas a bordo dos navios do Loyd comboiados por caça-minas e aviões de guerra. Memórias marcadas por aqueles momentos em que era proibido acender fósforos ou mesmo falar. Tempos de medo que estavam só começando.
A partir do Maranhão não havia um fluxo organizado de encaminhamento de trabalhadores para os seringais. Freqüentemente era preciso esperar muito antes que as turmas tivessem oportunidade para seguir viagem. A maioria dos alojamentos que recebiam os imigrantes em transito eram verdadeiros campos de concentração onde as péssimas condições de alimentação e higiene acabavam com a saúde dos trabalhadores antes mesmo que fizessem o primeiro corte nas seringueiras.
Não que não houvesse comida. Havia, e muita. Mas era tão ruim, tão mal feita, que era comum ver as lixeiras dos alojamentos cheias enquanto as pessoas adoeciam com fome. Muitos alojamentos foram construídos em lugares infestados pela malária, febre amarela e icterícia. Surtos epidêmicos matavam dezenas de soldados da borracha e seus familiares nos pousos de Belém, Manaus e outros portos amazônicos. O atendimento médico inexistia longe das propagandas oficiais e os conflitos se espalhavam entre os soldados já quase derrotados.
A desordem era tanta que muitos abandonaram os alojamentos e passaram a perambular pelas ruas de Manaus e outras cidades buscando um modo de retornar a sua terra de origem, ou de pelo menos sobreviver. Outras tantas revoltas paralisaram os gaiolas em meio de viagem diante das alarmantes notícias sobre a vida nos seringais. Pequenos motins rapidamente abafados pelos funcionários da SNAPP ou da SAVA. Esse parecia ser então um caminho sem volta.
Soldados da floresta
Os que conseguiam efetivamente chegar aos seringais depois de três ou mais meses de viagem já sabiam que suas dificuldades estavam apenas começando. Os recém chegados eram tratados como “brabos”. Aqueles que ainda não sabem cortar seringa e cuja produção no primeiro ano é sempre muito pequena. Só a partir do segundo ano de trabalho o seringueiro era considerado “manso”. Mesmo assim, desde o momento em que era escolhido e embarcado para o seringal, o brabo já começava a acumular uma divida com o patrão.
Uma divida que crescia rapidamente porque tudo que recebia era cobrado. Mantimentos, ferramentas, tigelas, roupas, armas, munição, remédios, tudo enfim era anotado na sua conta corrente. Só no fim da safra a produção da borracha de cada seringueiro era abatida do valor de sua dívida. Mas o valor de sua produção era, quase sempre, inferior a quantia devida ao patrão. E não adiantava argumentar que o valor cobrado pelas mercadorias no barracão do seringalista era cinco ou mais vezes maior do que aquele praticado nas cidades, os seringueiros eram proibidos de vender ou comprar de outro lugar. Cedo os soldados da borracha descobriam que no seringal a palavra do patrão era a lei e a lógica daquela guerra.
Os financiadores americanos insistiam que não se deveriam repetir os abusos do sistema de aviamento que caracterizaram o primeiro ciclo da borracha. Na pratica, entretanto, o contrato de trabalho assinado entre seringalista e soldado da borracha quase nunca foi respeitado. A não ser para assegurar os direitos dos seringalistas. Como no caso da clausula que impedia o seringueiro de abandonar o seringal enquanto não saldasse sua divida com o patrão, o que tornava a maioria dos seringueiros verdadeiros prisioneiros de suas colocações de seringa.
Todas as tentativas de implantação de um novo regime de trabalho, como o fornecimento de suprimentos direto aos seringueiros, fracassaram diante da pressão e poderio das casas aviadoras e dos seringalistas que dominavam secularmente o processo da produção da borracha na Amazônia.
Uma Guerra que não terminou
Mesmo com todos os problemas enfrentados (ou provocados) pelos órgãos encarregados da Batalha da Borracha cerca de 60.000 pessoas foram enviadas para os seringais amazônicos entre 1942 e 1945. Desse total quase a metade acabou morrendo em razão das péssimas condições de transporte, alojamento e alimentação durante a viagem. Como também pela absoluta falta de assistência médica, ou mesmo em função dos inúmeros problemas ou conflitos enfrentados nos seringais.
Ainda assim o crescimento da produção de borracha na Amazônia nesse período foi infinitamente menor do que o esperado. O que levou o governo norte-americano, já a partir de 1944, a transferir muitas de suas atribuições para órgãos brasileiros. E tão logo a Guerra Mundial chegou ao fim, no ano seguinte, os Estados Unidos se apressaram em cancelar todos os acordos referentes à produção de borracha amazônica. Afinal de contas, o acesso às regiões produtoras do sudeste asiático estava novamente aberto e o mercado internacional logo se normalizaria.
Era o fim da Batalha da Borracha, mas não da guerra travada pelos soldados dela. Muitos, imersos na solidão de suas colocações no interior da floresta, sequer foram avisados que a guerra tinha terminado, só vindo a descobrir isso anos depois. Alguns voltaram para suas regiões de origem como haviam partido, sem um tostão no bolso, ou pior, alquebrados e sem saúde. Outros conseguiram criar raízes na floresta e ali construir suas vidas. Poucos, muito poucos, conseguiram tirar algum proveito econômico dessa batalha incompreensível, aparentemente sem armas, sem tiros, mas com tantas vítimas.
Pelo menos uma coisa todos os soldados da borracha, sem exceção, receberam. O descaso do governo brasileiro, que os abandonou a própria sorte, apesar de todos os acordos e promessas feitos antes e durante a Batalha da Borracha. Só a partir da Constituição de 1988, mais de quarenta anos depois do fim da Guerra Mundial, os soldados da borracha passaram a receber uma pensão como reconhecimento pelo serviço prestado ao país. Uma pensão irrisória, dez vezes menor que a pensão recebida por aqueles que foram lutar na Itália. Por isso, ainda hoje, em diversas cidades brasileiras, no dia 1º de maio os soldados da borracha se reúnem para continuar a luta pelo reconhecimento de seus direitos.
Nem poderia ser diferente já que dos 20.000 brasileiros que lutaram na Itália morreram somente 454 combatentes. Enquanto que entre os quase 60.000 soldados da borracha cerca da metade morreu durante a guerra. Apesar disso, com a mesma intensidade com que os pracinhas foram recebidos triunfalmente pela sociedade brasileira, após o fim da Segunda Grande Guerra Mundial, os soldados da borracha foram incompreensivelmente abandonados e esquecidos, afinal de contas eram todos igualmente soldados.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Borracha e escravidão nos seringais da Amazônia



 Essa foi uma entrevista dada pela escritora Verónica Secreto, em que ela demonstra como surgiu seu interesse acadêmico pela saga dos nordestinos.
 Borracha e escravidão nos seringais da Amazônia

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24/6/2007

Um dos episódios mais contraditórios protagonizado pelos brasileiros na “II Guerra Mundial” não se deu no front, mas nos seringais da Amazônia. Trata-se do recrutamento massivo de mão-de-obra nordestina – cearense principalmente – para o trabalho de extração do látex, matéria-prima fundamental para o esforço aliado na Europa. A “convocação” dos “soldados da borracha” contou com os auspícios do governo Vargas – era alavancada por promessas de prosperidade no ermo Norte . No entanto, em vez do eldorado, os nordestinos encontraram o inferno: enfrentaram o trabalho escravo, duras jornadas e péssimas condições de moradia. O episódio em questão, que atiça a verve da academia, é analisado pela historiadora argentina María Verónica Secreto no livro “Soldados da Borracha” (Editora Perseu Abramo), lançado recentemente. Professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Verónica Secreto se interessou pelo tema quando lecionou no Departamento de História da UFC, na condição de docente visitante. Abaixo, confira entrevista com a pesquisadora.

A senhora é uma historiadora argentina. O que a levou a se interessar por um episódio polêmico da história e das relações de trabalho brasileiras?

Como sempre, o que nos leva a determinadas escolhas são um conjunto de fatores. Em primeiro lugar, talvez venha minha escolha pela História do Brasil, área na qual pesquiso desde o doutorado, iniciado há 10 anos. Depois, vem meu interesse pela história sobre as fronteiras internas, a ocupação de terra e as relações de trabalho em linhas gerais. Minha passagem pelo Ceará, como professora do Departamento de História, aproximou-me com este episódio da história das migrações cearenses, da ocupação da Amazônia e das políticas “colonizadoras” do governo Vargas. O governo Vargas sempre é visto de uma perspectiva urbana. No primeiro plano, aparecem os operários, que de fato foram os amparados pelas leis trabalhistas. Como reconhecia um intelectual do governo, os trabalhadores rurais estavam privados do “progresso dos operários das cidades do litoral”. A legislação social, continuava ele, só poderia ter começado nos centros urbanos para avançar nas esferas rurais em um momento posterior. Claro que o governo Vargas não avançou nessa área e os trabalhadores rurais continuaram postergados, salvo algumas exceções isoladas, como esta dos “soldados da borracha”, que foram encaminhados para Amazônia de “papel passado”. Mas só isso.

No livro, a senhora afirma que os ´soldados da borracha´ não devem ser tachados de vítimas, sob risco de entendermos mal este episódio. Como este passado deve ser analisado? Quais os principais erros interpretativos cometidos no que se refere à ´saga da borracha´?

Isto que eu digo para os “soldados da borracha” é válido para muitos outros sujeitos sociais considerados por muito tempo como “vitimas passivas”. Em geral, a passividade é a característica que mais tem sido atribuída aos camponeses. No entanto, ao estudarmos, o que nós encontramos são pessoas que fizeram escolhas. Escolhas dentro de um número limitado de opções, mas escolhas. Ir para o Amazonas, para muitos deles, significou seguir uma saga familiar, buscar oportunidades melhores, realizar um ato patriótico. Acredito que o principal erro de todo o processo de recrutamento e encaminhamento dos imigrantes esteve na apropriação que os seringalistas fizeram de uma política de Estado. O fracasso, como em muitos outros casos de políticas públicas, se deve à distância enorme entre as planificações (incluindo em muitos casos os marcos legais criados especificamente) e a realidade na qual pensa-se em “mexer”. Os trabalhadores enquadrados como ´soldados da borracha´ assinaram um contrato que previa o amparo a suas famílias e a campanha de recrutamento dos mesmos contou com um planejamento que implicava a criação de uma série de organismos estatais, como a Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico, o Banco de Crédito da Borracha, o próprio Serviço de Mobilização de Trabalhadores para Amazonas (Semta)... Mas não se implementaram mecanismos de fiscalização, nem se evitou que os grandes proprietários se “apropriassem” destas políticas em beneficio próprio. As coisas fracassam não só por falta de vontade política, embora este seja um elemento muito importante, mas pelas resistências da classe proprietária - motivo pelo qual até hoje continua a existir “trabalho escravo”.

Pouco antes da migração nordestina, o governo Vargas manifestara interesse em promover a ocupação do Norte. Qual era seu projeto para a Região e que interesses estavam articulados a esta iniciativa?

O governo Vargas incluía o Norte no seu programa de colonização, de ocupação dos “espaços vazios” e da criação da pequena propriedade. Todo o programa “Marcha para o Oeste” tinha por finalidade expandir as fronteiras internas e, portanto, criar mercado e deter as migrações entre os sertões e os grandes centros urbanos do litoral – movimento que os intelectuais do governo consideravam contrário “à natureza” histórica do Brasil. Com respeito ao Norte, Vargas dizia que seus habitantes seriam “incorporados ao corpo da nação”, sendo necessário adensar o povoamento, incrementar o rendimento agrícola, aparelhar os transportes. Até o momento, segundo Vargas, o caluniado clima amazônico tinha impedido que partissem contingentes humanos de outras regiões com excesso demográfico. Somente o nordestino, com o seu “instinto de pioneiro”, poderia se embrenhar pela floresta, abrindo trilhas de penetração e talhando a seringueira silvestre.

No que se refere à ´saga da borracha´, quais as estatísticas mais próximas da realidade? Quantos sertanejos partiram? Quais localidades forneceram os maiores contingentes? Como era feita a viagem? Quantos sertanejos morreram e quais as condições de sepultamento?

São muitas perguntas, algumas têm respostas e outras não. Ou pelo menos as respostas não são tão precisas como gostaríamos. O escândalo dos “soldados da borracha” explodiu quando deixou de ser paga a assistência às famílias, coincidindo com a cobertura dada pela imprensa internacional. Alguns jornais franceses relatam que 25 mil homens tinham sumido na floresta. Levada a debate na Assembléia Constituinte a gravidade da situação criada pela batalha da borracha, foi formada uma CPI que trabalhou entre os meses de julho e setembro de 1946, reunindo documentos e tomando depoimentos dos funcionários vinculados ao DNI, Semta, Caeta, Banco do Brasil, Banco de Crédito da Borracha, do Instituto Agronômico do Norte... Os depoimentos dados à “Comissão de Inquérito da Campanha da Borracha” deixaram transparecer problemas políticos e até pessoais entre os depoentes. Mas, mais importante que isto, trouxeram à luz o verdadeiro desastre que foi a campanha. As denúncias eram muitas: os trabalhadores que voltavam dos seringais diziam que eram maltratados, ameaçados pelos capangas, que a carne podre era vendida cara, que remédios lhes eram negados... Outros documentos informam que o transporte dos trabalhadores era realizado em condições deploráveis, que se produziu pouca borracha e se adulteraram as estatísticas. O relatório da CPI impunha com urgência o amparo imediato aos “soldados da borracha” e às famílias que haviam ficado no Nordeste. Sobre as estatísticas, a antropóloga Lúcia Arraias Morales fala da “batalha dos números”. Depois de reconhecido o desastre, os funcionários do governo tenderam a diminuir as cifras enquanto os denunciadores a aumentar. As diferenças são grandes. Os primeiros afirmam ter sido encaminhado 34,4 mil e os outros 54,4 mil entre trabalhadores e dependentes. A própria CPI não conseguiu chegar a uma conclusão a este respeito. Porém, um dos grandes problemas, tanto para a pesquisa realizada pela CPI como para as próprias famílias dos trabalhadores, foi saber qual tinha sido o destino final de cada um dos trabalhadores, razão pela qual também é muito difícil responder quantos morreram, as circunstâncias de sua morte e posterior sepultamento. No entanto, é importante ressaltar que o povoamento da região amazônica por nordestinos é anterior ao governo Vargas.

Em que sentido, a propaganda estatal foi responsável pela mobilização dos trabalhadores nordestinos? Que valores e ideologias eram enaltecidos nesta publicidade?

O apelo era muito evidente. E isto foi enfatizado pelas mulheres dos “soldados”, quando reclamavam pela manutenção da assistência às famílias ou por ter notícias de seus maridos. Para este livro, trabalhei com cartas que estas mulheres escreveram a seus maridos ou que enviaram a Getúlio Vargas. O grupo que escreveu ao Presidente diz a este que seus maridos “viajaram para Amazônia, com esperanças de serem bem sucedidos e de prestarem relevante serviço à pátria no combate ao inimigo comum, produzindo borracha para a vitoria das nações unidas”. Exatamente as frases utilizadas na propaganda de recrutamento. Mas eu acho que nada é mais eloqüente do que a própria cartilha entregue aos “candidatos” a “soldados da borracha”: “O APELO DA PÁTRIA. Tão grande se apresenta a necessidade de respondermos ao chamado da pátria, que todos nós, todos sem exceção de um só, temos de oferecer a nossa quota de sacrifício, que é glória, para a vitória final. SOLDADO DA BORRACHA, HERÓI DA AMAZÔNIA. Mas não só pelas armas podemos e devemos concorrer para o triunfo completo da liberdade humana. Ao Nordestino, ao nosso trabalhador do campo, cabe uma tarefa tão importante como a do manejo das metralhadoras nas frentes sangrentas de batalha: impõe-se-lhe o dever de lutar pacificamente na retaguarda, dentro do seu próprio país, nas terras abençoadas da Amazônia, extraindo borracha – produto indispensável para a vitória, como a bala e o fuzil”.

Como era o cotidiano do trabalhador nos seringais, em termos de jornadas e salários? Quais as condições médicas e de moradia?

O cotidiano do trabalhador no seringal não tinha mudado com respeito ao período anterior. Refiro-me ao período do “boom” da borracha, quando escritores como o português Ferreira da Silva, autor de “A Selva” (1930), ou o colombiano José Eustasio Riveira, autor de “A vorágine” (1924), escreveram denunciando a situação dos trabalhadores na exploração da borracha. As condições de moradia eram muito precárias, cada trabalhador “arrumava-se” numa palhoça, na qual muitas vezes também fazia o processo de defumação da borracha. O dia começava muito cedo e o trabalhador percorria sua estrada. Uma estrada é o conjunto de 100 a 150 seringueiras a ser entalhada por dia. Lembremos que a seringa, como se encontra na Amazônia naturalmente, se dá entre outras espécies. Assim uma estrada é a linha imaginária que une esse conjunto de seringueiras. Na ida, o trabalhador a percorre fazendo o corte e colocando o recipiente em que cairá o látex. O sistema de pagamento do trabalhador era feito por produto entregue no abarracamento. Em síntese, o trabalhador estava sempre endividado com o patrão. Este lhe tomava a borracha a um preço baixo e vendia os mantimentos, instrumentos de trabalhos, e demais insumos a preços altos, estabelecendo a obrigatoriedade deste comércio desleal. O trabalhador não podia abandonar o seringal até pagar sua dívida, que nunca conseguia saldar porque o patrão se encarregava de que assim o fosse. Este sistema de trabalho que é recorrente em toda a zona seringueira chama-se trabalho por dívida, é uma das formas do trabalho forçado, ainda existente e penalizada por lei. Desejo finalizar a entrevista com um agradecimento. Como disse, fui professora da UFC e gostaria de destacar àqueles que colaboraram de alguma forma com esta pesquisa. Uma boa parte da documentação é parte do acervo do Museu de Arte da UFC. Por isto, agradeço a seu diretor Pedro Eymar. Também gostaria de agradecer a meus colegas de Departamento, que escutaram com paciência cada avanço na pesquisa; e, por último, a meus alunos do curso de História, cujo entusiasmo contagiante foi um grande incentivo.

LAÉCIO RICARDO Repórter

FIQUE POR DENTRO

O Brasil como objeto de estudo. Nascida na Argentina, em Necochea, interior da província de Buenos Aires, María Verónica Secreto é graduada em História pela Universidade Mar del Plata, estabelecimento onde também iniciou sua experiência como docente. O interesse pela trajetória e formação social do Brasil lhe levou a migrar para o país vizinho. Doutora em História Econômica pela Universidade de Campinas (Unicamp), María Verónica Secreto atualmente é professora do Departamento de Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Entre 2002 e 2004, foi docente da UFC. A passagem pelo Ceará lhe chamou a atenção para a triste saga dos nordestinos nos seringais do Norte, episódio polêmico da história das migrações cearenses, vinculado aos esforços para a ocupação da Amazônia, em especial as políticas promovidas pelo governo Vargas. A pesquisa resultou no livro ´Soldados da Borracha´, publicado pela Fundação Perseu Abramo.





A guerra da borracha

Entrevista com María Verónica Secreto de Ferreras historiadora, doutora em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas e autora do livro Soldados da Borracha: trabalhadores entre o sertão e a Amazônia no governo Vargas, da Fundação Perse

Publicado em 27/12/2008 | Pollianna Milan

Parece estranho pensar que os seringueiros que trabalharam na Amazônia, durante a extração da borracha, tiveram uma missão tão importante como os soldados que participaram das duas Grandes Guerras mundiais. Mas foi o que aconteceu. O alinhamento do Brasil com os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, em 1942, transformou a Amazônia em um verdadeiro campo de batalha. Era preciso explorar intensamente o recurso disponível para que o Brasil pudesse fornecer a quantidade de borracha necessária aos americanos, que pulou de 16 quilos por pessoa na Primeira Guerra para 98 na Segunda.

Getúlio Vargas, o presidente da República, lançou até uma campanha: “Mais borracha em menos tempo”. A Amazônia era uma região ainda despovoada e de difícil acesso, por isso a solução encontrada foi literalmente recrutar pessoas, nesse caso os nordestinos, para garantir a mão-de-obra necessária. Mais de 30 mil homens atenderam ao pedido de Vargas para contribuir com o esforço de guerra. Esses trabalhadores foram chamados de “soldados da borracha.” Em entrevista à Gazeta do Povo, a historiadora María Verónica Secreto de Ferreras explica como foi esse período no Brasil.


Durante a “guerra da borracha”, os seringueiros ficavam em “pousadas” especiais. Na foto, o Pouso do Prado

Em que momento os seringueiros foram vistos como soldados de guerra?

A documentação oficial, como o contrato de encaminhamento ou o regulamento do Semta (Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para Amazônia), se refere ao trabalhador mobilizado. Mas o material de propaganda, como o folheto “Rumo à Amazônia”, destinado a motivar trabalhadores para se apresentarem como voluntários, fala em “soldados da borracha”. Durante a campanha foram muito utilizadas metáforas bélicas. Entre elas, uma cartilha que dizia: “Soldado da Borracha, herói da Amazônia. Mas não só pelas armas podemos e devemos concorrer para o triunfo completo da liberdade humana. Ao Nordestino, ao nosso trabalhador do campo, cabe uma tarefa tão importante como a do manejo das metralhadoras nas frentes sangrentas de batalha (...) extraindo borracha.”

Enquanto os homens iam trabalhar na extração do látex, onde ficavam as mulheres? Elas assumiam a família? Qual era a situação delas?

Os trabalhadores tinham a opção de escolher diferentes formas de assistência a sua família. Um carimbo na margem esquerda do contrato identificava o tipo de proteção pela qual cada trabalhador tinha optado. Poderia ser uma assistência que teria duração no período de vigência do contrato. Os dependentes e mulheres também tinham o direito de ficar sob a responsabilidade do próprio trabalhador: nesse caso, as mulheres e crianças moravam em palhoças rústicas e dormiam em redes. Um conjunto de cartas, atualmente reunidas no Museu de Arte da Universidade do Ceará (Mauc), permite conhecer as condições de vida nesses alojamentos. “Já botaram inquisição por causa do fumo”, queixa-se Elcídia Galvão em carta ao marido, dizendo preferir ser “enxotada” a abrir mão do cigarro – pois fumar e chorar eram seus únicos confortos.

Em que contexto histórico mundial aconteceu a guerra da borracha?

O bombardeio japonês a Pearl Harbour, em dezembro de 1941, pôs fim à ambigüidade da política externa do governo de Getúlio Vargas e, de alguma forma, condicionou a política interna a respeito da Amazônia. O ingresso dos Estados Unidos na guerra exigiu uma posição clara das nações americanas. O domínio japonês das ilhas do Pacífico cortou o fornecimento de borracha e, com isso, foi necessário definir a política econômica dos países do continente que passaram a abastecer as nações aliadas com matérias-primas. Em março de 1942, o Brasil assinou, em Washington, uma série de acordos sobre matérias-primas estratégicas, entre as quais a borracha.

Quem eram esses homens que foram participar da campanha de extração da borracha na Amazônia?

O recrutamento de trabalhadores teve sua sede em Fortaleza, já que o “público-alvo” da campanha eram os nordestinos que já tinham uma tradição na migração e povoamento da Amazônia.

Houve muitas mortes?

O número de mortos, como o de recrutados, não é exato. Sabe-se que a campanha, no seu conjunto, foi um desastre. Logo se começou a receber notícias de que milhares de trabalhadores tinham desaparecido. As famílias não tinham notícias deles e os órgãos do Estado não sabiam do paradeiro dos trabalhadores.

Como eram as condições de trabalho e de vida dos seringueiros?

O seringueiro comprometia-se a trabalhar seis dias por semana, quer na época apropriada à extração do látex, quer no período de entressafras. Toda a borracha produzida deveria ser entregue ao seringalista. Da borracha produzida pelo seringueiro, seriam-lhe creditados no mínimo 60% sobre o preço oficial que vigorava nas praças de Manaus e Belém. O seringueiro também teria direito aos animais abatidos e poderia cultivar um hectare de terra, livre de qualquer ônus.

Os acordos de trabalho deram certo?

Foi um contrato “para inglês ver” ou, neste caso, para americano ver. Uma vez que o trabalhador ingressava no seringal, era impossível fiscalizar.

Como a senhora teve acesso às cartas das mulheres dos seringueiros?

Entre os materiais pertencentes ao corpus documental “Regina Frota”, depositado no Museu de Arte da Universidade do Ceará, encontramos um conjunto de cartas escritas pelos soldados e por suas esposas. As cartas dos maridos foram enviadas de diferentes pontos da Amazônia e chegaram, mais precisamente, ao destino de Regina Frota, porque estavam endereçadas a ela. Antes de partir, esses maridos tinham combinado de confiar a ela as cartas. Já as cartas das mulheres não chegaram ao destino. Acredita-se que nunca foram enviadas por causa do conteúdo delas. O tom das cartas dá um indício forte sobre os motivos de sua “retenção”. Mas também podemos salientar a dificuldade de se conseguir o endereço para enviá-las.

O que foi a CPI da borracha? Qual foi o resultado dela?

Por causa da grave situação criada pela batalha da borracha, o caso foi levado a debate na Assembléia Constituinte. Foi formada uma CPI que trabalhou entre os meses de julho e setembro de 1946, juntando documentos e tomando depoimentos dos funcionários. Os depoimentos deixam transparecer problemas políticos e até pessoais entre os depoentes. Alguns tinham consciência das conseqüências sociais da introdução dos “migrantes nordestinos” nos seringais. Outros depunham que o transporte dos trabalhadores era realizado em condições deploráveis, que se desperdiçava dinheiro e comida jogando ao rio alimentos em mau estado. O relatório da CPI concluía que se impunha com urgência o amparo imediato aos soldados da borracha e às famílias. Os soldados tiveram de brigar durante décadas para receber seus direitos. Somente em 1988 eles começaram a ganhar uma pensão vitalícia.